O entrevistado deste mês é Paulo de Moraes Mendonça Ribeiro, membro efetivo com funções didáticas e atual presidente da SBPRP. Paulo nos brinda com esta incrível entrevista, na qual relembra sua trajetória pela psicanálise, desde os tempos em que era criança, fala sobre questões interessantes, como o tornar-se psicanalista e a experiência em ser presidente de uma Sociedade de Psicanálise, além de comentar sobre o desafio em sediarmos o Encontro Internacional Bion2018.

Paulo M. M. Ribeiro

MARIA LUIZA CRISÓSTOMO PIANTINO: Paulo, vamos começar lá do início: como é que surgiu o seu interesse pela Psicanálise?

PAULO DE MORAES MENDONÇA RIBEIRO: Conscientemente, foi cedo; na minha adolescência eu já tinha contato com a Psicanálise através de minha mãe, a psicanalista Martha Maria de Moraes Ribeiro, que originalmente era médica endocrinologista e tornou-se psicanalista. Então, havia muitos livros e revistas de Psicanálise por todos os lados, e eu acompanhei sua incansável formação na qual por anos a fio ela viajava com seu grupo de colegas para São Paulo, pois Ribeirão só foi ter um instituto de formação muitos anos depois.

Portanto, soube bem cedo que existia essa peculiar ciência fundada por um tal de Sigmund Freud e que era, pelo menos em casa, tão respeitada quanto a Medicina, e que cuidava da mente humana… algo que era para além do corpo e que muitas vezes o perturbava. Mente humana? Interessante, essa entidade! Passei a observar a minha e em pouco tempo estava pedindo para iniciar a minha primeira análise pessoal. A partir daí, a escolha foi entre estudar artes plásticas/arquitetura (que adoro) ou prestar medicina ponderando tornar-me um psicanalista.

Mas, aprofundando um pouco, talvez precisemos pensar algo polêmico: quando nasce um psicanalista? Será que é quando a pessoa descobre que tem uma mente (como eu na minha adolescência) e que esta tem vida própria e não nos obedece? Não creio, muitos outros descobriram isso e foram em outras direções. Por outro lado, um psicanalista certamente não nasce devido a tentativas de ‘curar-se’ através de fazer uma formação, coisa comum no mundo psi. Então, burocraticamente, será que é quando termina a formação oficial da IPA, aquela que nossos Institutos oferecem?

A formação de um psicanalista, em geral é muito boa, mas será que faz parir um psicanalista? Eu fiz a minha em São Paulo, na SBPSP, meio rapidamente, mas posso observar que o nosso Instituto, da SBPRP, tem se esmerado para oferecer ótimas oportunidades para que seus Membros Filiados tenham experiências emocionais que reverberem em suas personalidades causando-lhes turbulências emocionais, tensões, movimentos internos que modificam sua arquitetura mental, para, desta forma, novas configurações potencialmente úteis para o profissional emergirem. Mas isso é uma tentativa, um movimento, não garante o nascimento de um psicanalista.

Tendo a pensar o nascimento de um psicanalista usando o modelo do Michelangelo quando diante de um bloco de mármore, que poderia se tornar o Davi, ou a Pietà, ou outra obra grandiosa: dizia ele que a escultura já estava pronta lá dentro da pedra, ele já a via com seus olhos mentais e seu trabalho se constituía em retirar lasca por lasca os ‘excessos’ para revelar a figura que estava ‘aprisionada’ dentro do bloco. As tensões, vibrações e turbulências vividas na formação e na vida institucional visam evidenciar o analista interno que nos habita, mas podem também fazer nascer aberrações.

“Prisioneiros”, obras de Michelangelo

Agora, aprofundando um pouco mais, penso que devido à nossa inermia, a primeira experiência que um recém-nascido precisa apreender é pensar/sonhar. Os demais animais do planeta já nascem sabendo tudo o que eles precisam saber para viver, já vem tudo registrado em seu DNA, nós não, precisamos aprender a pensar e a sonhar para conseguirmos aprender com as experiências emocionais subsequentes e evoluirmos, do contrário somos nada. E quem nos ensina? Quem nos ensinou? Quem nos ensinará? E que marcas esses ensinamentos deixam no nosso futuro?

Deste vértice, creio que nós já nasçamos psicanalistas, ou mais precisamente, nasçamos dotados da capacidade que Bion chamou de “função psicanalítica da personalidade”. Talvez uma mãe e um pai “suficientemente bons” possam deixar rastros, tanto positivos quanto negativos, que levem um indivíduo a vir a se tornar um psicanalista, ou um artista, ou poeta, ou um cientista. Provavelmente todos nós tivemos bons pais, pelo menos suficientemente bons, capazes de doar vida, doar sonhos e a capacidade para sonhar, assim tornando-se ricos e a nós também. Acho que foi o meu caso.

MARIA LUIZA: Paulo, na sua trajetória de ser um analista, você ocupa hoje o cargo de Presidente da SBPRP. Qual o significado desse momento na sua vida?

PAULO: É um momento muito significativo. Apesar de estar na função há pouco tempo, sinto que já aprendi muita coisa. Quando o colega Neville Simington esteve em Ribeirão Preto, num evento promovido pela SBPRP, ele disse algo no sentido de que nós deveríamos ser capazes de nos lançarmos a experiências inusitadas para nos desenvolvermos para além do que nossa análise pessoal nos levou. Citou como exemplo sua experiência de aprender a pilotar aviões. Achei aquilo um tanto quanto concreto na época, mas agora, como modelo para a experiência na função da Presidência, penso que faz certo sentido. Certas funções de liderança nos colocam em situações nas quais somos obrigados a observar as coisas por ângulos diferentes dos que estamos habituados, e a nos posicionarmos a partir dessa observação prismática, multifocal. Isso gera perdas e ganhos, mas parece ser uma experiência de evolução!

O vértice “social-ista”, como diria o Bion, deve predominar numa função deste tipo, ele demanda um exercício constante do equilíbrio/tensão entre nossas tendências narcisistas e o que acreditamos ser o melhor para o futuro da Sociedade como um todo. Narcisicamente, o amor à verdade é um elemento essencial para o estabelecimento desse equilíbrio dinâmico, socialisticamente, eu diria que é o amor à Psicanálise (o que considera também o ódio que sentimos dela).

Um vértice de sonho: Uma Presidência, não é um ‘lugar’, é um estado mental, é uma função da personalidade, que jamais deve ser confundida como uma estrutura; ela também é, ao mesmo tempo, um fator da personalidade que, em conjunção com outros fatores, nos capacita a exercer outras funções afora o perímetro da Sociedade de forma diferente, mais plena. Tem valido a pena, apesar de não ser nada fácil, pelo menos para mim.

MARIA LUIZA: Quais os desafios maiores que tem enfrentado como Presidente da SBPRP?

PAULO: Acolher as tensões dentro do grupo tem sido um movimento trabalhoso desde que iniciamos esta gestão. Muita coisa recai sobre os ombros do Presidente e, creio, este deve ter um olhar democrático para conseguir escutar os diferentes vértices que compõem a SBPRP. Somos uma Sociedade jovem, mas muito profícua, que cresce rapidamente e abarca diferentes visões sobre os fatos da vida societária. Relações de camaradagem entre os membros, afinidades teóricas, amizades pessoais, etc., estão em constante tensão com o vértice científico, que acredito ser a finalidade fundante de uma Sociedade de Psicanálise. É função do Conselho Diretor da Sociedade primar sempre pelo vértice científico, administrando as forças primitivas que habitam a todos e nos conduzem a comportamentos protomentais, sem pensamento reflexivo, como os que ocorrem nos “supostos básicos de luta-fuga, acasalamento e messiânico” descritos por Bion. Observo o risco destes três funcionamentos mesmo numa sociedade de psicanalistas, que teoricamente, por sermos todos muito bem analisados, não apresentaríamos comportamentos primitivos… Aliás, acredito que justamente por sermos uma congregação de analistas, fazemos parte de um grupo de risco maior, o que demanda mais atenção por parte de todos para mantermos nossa liberdade de pensamento cristalino, nossa criatividade e afetividade.

MARIA LUIZA: Temos pela frente o Congresso Brasileiro e o Encontro Internacional Bion2018. O XXVI Congresso tem como tema: “Morte e Vida, novas configurações”. Como você associa a escolha desse tema à atual conjuntura social, política, econômica e cultural que estamos vivendo?

PAULO: Tempos difíceis, esses que vivemos. A conjunção política atual nos insere no mapa da história nacional; penso que em décadas vindouras os futuros professores estarão ensinando aos seus alunos sobre o momento político-social que estamos atravessando e que gera amplas repercussões a nível econômico e cultural. É difícil, talvez impossível, analisar um momento histórico enquanto se atravessa o mesmo, mas podemos afirmar que sérias questões éticas estão em jogo, colocando em nossas mãos o futuro das próximas gerações. A nação que seremos daqui 20, 30 ou 50 anos está sendo desenhada no momento atual.

Não penso que o tema do próximo Congresso da FEBRAPSI tenha pretensões de analisar nossa atual conjuntura, mas vejo a escolha do tema “Morte e Vida, novas configurações” como uma evidência da sintonia que existe entre a Psicanálise e a Cultura na qual estamos todos inseridos. Essa opção está bem de acordo com o que urge nas ruas, bem como em nossos consultórios.

Vivemos no Brasil tempos de reconfiguração social e política (consequentemente econômica) e isso repercute em nossa cultura. Entendo cultura como a forma de pensar e sentir de um grupo e, sendo a Psicanálise um refinado instrumento para pensar os pensamentos e os sentimentos humanos, a escolha deste tema vem de encontro aos anseios de nossa população.

Não só no Brasil, mas no mundo, muitas mudanças estão em curso. Atentados terroristas, homens bombas, crianças bombas, êxodos em massa, trocas bizarras de poder, o surgimento de mídias sociais do tipo jogo da baleia azul, ou a questão do suicídio dos adolescentes estimulados por series televisivas, etc. evocam questões de novas configurações no interjogo da Vida e Morte. Creio estarmos inseridos no contexto global e, como psicanalistas, tentando fazer a nossa parte para iluminar dinâmicas ligadas a sentimentos de não-identidade, não-existência, não-potência… Tudo isso é diferente de coisas como crises de identidade, sentimentos de inexistência ou de impotência; o não-algo remete a algo paradigmático, não se trata de restaurarmos nossas respectivas identidades (como a Inglaterra acredita estar fazendo ao sair da Comunidade Europeia), ou nos sentirmos um povo com uma vida própria bem definida e potente, o não-algo implica em uma evolução para algo diferente do que está proposto, do que se é conhecido atualmente. É como o analista quando opacifica suas “memórias, desejos e compreensões” para lançar-se ao campo intuitivo na “Fé” de alcançar dimensões não conhecidas da mente de seu analisando, bem como de sua própria. Mas creio que ainda estamos engatinhado nestas evoluções, embora o barulho seja intenso…

MARIA LUIZA: Não poderíamos deixar de falar sobre o Encontro Internacional Bion2018. Como você avalia a importância para nós, desse evento aqui em Ribeirão Preto?

PAULO: Esse evento se constitui numa evidência da potência científica e organizacional da SBPRP. Potência científica implica em potência clínica, pois somos uma Sociedade que prima pela qualidade clínica de nossos membros.

Somos reconhecidos entre as sociedades de Psicanálise no Brasil como uma Sociedade séria e trabalhadora, que coloca a ciência em primeiro plano e o faz com uma capacidade de acolhimento que favorece o aprendizado de forma predominantemente prazerosa. Também somos conhecidos pela nossa hospitalidade, que não é colonialista, mas sim fruto da tradição herdada de nossos pioneiros, que reconheciam e davam graças àqueles que nos alimentaram e frutificaram.

Promover o Bion2018 aqui em Ribeirão Preto é uma oportunidade para oferecer nosso modelo de ciência hospitaleira para além das fronteiras do Brasil. O Encontro Internacional Bion2018 é uma oportunidade valiosa para recebermos colegas de todos os lugares do Brasil e do mundo, que nos brindarão com reflexões conjuntas sobre o pensamento de Bion. Temos muito a ganhar cientificamente e, da mesma maneira, a ensinar!

Entrevista realizada por Maria Luiza Crisóstomo Piantino, membro associado da SBPRP