Novembro é o mês em que ocorrem os principais vestibulares do país. É um período de expectativas, tensões e incertezas para os estudantes e seus familiares. Via de regra, um dos aspectos mais angustiantes dessa etapa relaciona-se à escolha de um curso. Dentre mais de 250 opções, os pré-vestibulandos precisam decidir por um caminho específico para iniciar seus estudos pós-Ensino Médio. De um ponto de vista mais amplo, trata-se de um dos poucos rituais de passagem amplamente compartilhados em nossa sociedade. Uma escolha que envolve aspectos familiares, sociais, pessoais, mentais (conscientes e inconscientes) diversos e complexos.
Como pensam os colegas que se dispõem a trabalhar e escrever sobre a Orientação Profissional de um vértice psicanalítico? Será que é possível trabalhar e pensar psicanaliticamente a respeito das questões relacionadas à escolha profissional?
Conceição Uvaldo (USP), Giovanna Albuquerque (SBPSP) e Maria Luiza Dias (Associação Brasileira de Psicanálise de Casal e Família) são as organizadoras do livro: “Orientação Profissional ↔ Psicanálise: o olhar clínico” que deverá ser lançado em breve pela Vetor Editora, de São Paulo. Contando com a colaboração de colegas da SBPSP, SBPRP, USP/SP, PUC/SP, Instituto Sedes Sapientiae, dentre outras, as organizadoras pretendem que o livro seja um painel variado e rico a respeito de como pensam e trabalham os profissionais que se dedicam ao campo.
Na entrevista desse mês, conversamos com elas sobre esses e outros temas.
Bem-vindos e boa leitura!
LUIZ TOLEDO: Antes de começarmos, como vocês se interessaram por psicanálise e orientação profissional? Como foi o caminho de vocês?
GIOVANNA ALBUQUERQUE: Foi a partir do interesse que o inconsciente sempre despertou em minha vida que “descobri” a psicanálise e a orientação profissional clínica. Comecei a carreira em ambiente corporativo, recém formada em psicologia. Após alguns anos, tive a oportunidade de morar na Argentina, em Buenos Aires. Lá, entrei em contato com a obra de Rodolfo Bohoslavsky, de alguns de seus alunos e também com uma visão psicanalítica da adolescência. Ao retornar a São Paulo, busquei formação em psicanálise – meu interesse pela vida psíquica e os processos inconscientes haviam crescido ainda mais. Inicialmente, fiz pós graduação, enquanto começava a clinicar e atender em Orientação Profissional. Após alguns anos de consultório, me lancei na formação psicanalítica na SBPSP, onde sou membro associado.
MARIA LUIZA DIAS: Meu primeiro contato com a psicanálise ocorreu na universidade. Como estudante de Psicologia na PUC-SP, no início dos anos 80, desenvolvi enorme simpatia pelos textos de Freud e seus sucessores. A proposta de investigar a esfera inconsciente da experiência humana me fascinava. Apesar de intensas experiências tidas com professores psicanalistas, que me despertaram a motivação ao estudo e formação nessa abordagem, foi mesmo no espaço da análise pessoal que a psicanálise fez sentido. Sou grata a essas psicanalistas, pela grande contribuição recebida para meu desenvolvimento pessoal nos trilhos da vida.
Ao me formar como psicóloga, me interessei também por temas relacionados à psicanálise em sua interface com a antropologia, campo no qual defendi meu doutorado na USP/SP. Dediquei-me à clínica psicanalítica de casal e família, desde 1980, a partir do Núcleo da PUC, tendo permanecido em estudo e supervisão com a queridíssima Profª Mirel Granatovicz, por 20 anos. Posteriormente, engajando-me em novos grupos interessados no ensino e estudo da Psicanálise Vincular, associei-me à AIPCF – Associação Internacional de Psicanálise de Casal e Família (out 2013) e participei da Fundação da ABPCF – Associação Brasileira de Psicanálise de Casal e Família (maio 2017). Atuando como orientadora profissional junto a adolescentes (pré-vestibulandos) e adultos (revisão e reorientação de carreira), adotei a abordagem clínica inspirada no enfoque inaugurado pelo psicanalista argentino Rodolfo Bohoslavsky. A psicanálise de escola inglesa sempre foi a linha que predominou dando base ao meu trabalho. Nesta direção, a escolha profissional sempre foi vista por mim como parte de um processo mais amplo de desenvolvimento da identidade e da experiência de subjetivação no mundo. Essa é a premissa que orienta o trabalho oferecido pelo Serviço de Orientação Profissional do Instituto LAÇOS, o qual coordeno.
CONCEIÇÃO UVALDO: Minha história e escolha pela Psicanálise como teoria de base para o meu trabalho ocorreu na faculdade, mais especificamente quando tive aulas com professores incríveis, como Amina Maggi e Ryad Simon. A ponte com a orientação já me foi apresentada pronta com a disciplina de Orientação Profissional da Profª Yvette Piha Lehman (SBPSP/USP) e a leitura cuidadosa de Bohoslavsky. Adorei o livro e escrevi comentários, que eram a avaliação da disciplina, muito apaixonados. Essa animação foi percebida pela professora que me convidou para estagiar no ano seguinte no Serviço de OP da USP. Nos dois primeiros anos fiquei na dúvida se optava por OP ou pelo trabalho em hospital, pois também estagiava no Hospital das Clínicas. O consultório sempre esteve na minha vida, com supervisões e grupos de estudo em psicanálise. Foi a análise que me ajudou a optar por OP, os critérios de escolha conscientes foram minha facilidade para trabalhar com adolescentes e um interesse pelo social e o mundo do trabalho.
A isso se somou (e talvez com maior força) o que fui percebendo na análise, sou filha de imigrantes portugueses e fui me dando conta do valor dado pelo trabalho em minha família. Foi o trabalho (ser um bom trabalhador) que propiciou a boa adaptação de meu pai ao Brasil, meus tios na França e primos na Alemanha e Suíça. A importância do trabalho na minha história ficou muito clara e a escolha por trabalhar com a relação pessoa/trabalho pareceu natural. Tive a sorte de, nessa época de definição, ser aberta uma vaga no SOP-USP (serviço de Orientação Profissional da USP/SP). Fiz o concurso e fui aprovada. Meu caminho, então, estava traçado: estudar OP e Psicanálise. Estando na USP confesso que esse caminho foi muito facilitado, seja porque minha chefe sempre me deu carta branca para estudar e experimentar o que eu quisesse, seja porque tive acesso a pesquisadores e trabalhos das duas áreas.
LUIZ: Quais são os autores que, na opinião de vocês, mais contribuíram para o avanço desse diálogo? De que maneira?
GIOVANNA: Edward Bordin foi pioneiro no uso da perspectiva psicanalítica no campo da Orientação Profissional e de Carreira. Seu trabalho influenciou Rodolfo Bohoslavsky, conhecido psicanalista argentino, autor do livro “Orientação Profissional: a estratégia clínica”, uma das referências da O.P. clínica. No campo da Psicanálise, Freud e Melanie Klein contribuíram através de suas formulações teóricas como: identidade, identificação, reparação, sublimação, tão caras ao trabalho de Orientação Profissional clínica.
CONCEIÇÃO: Sem sombra de dúvida Rodolfo Bohoslavsky, apesar de ele ter escrito pouco. Tive o privilégio de estudar e trabalhar com profissionais formados por ele, como é o caso da Yvette (Piha Lehman, psicanalista e professora da USP/SP). Yvette é, a meu ver, quem pode desenvolver e atualizar o pensamento psicanalítico na OP, principalmente por sua leitura winnicottiana do processo. O livro que estamos lançando tem a ver com uma preocupação que tenho observado (corroborada por Maria Luiza e Giovanna e, mais recentemente, pela própria Yvette) de que a OP tem sido invadida por testes e escalas que parecem ser respostas a uma rapidez do mundo atual, mas que compreendo serem apenas instrumentos que podem ser usados em um processo de OP, não substituindo a necessidade da pessoa se apropriar de seu processo de escolha, daí o livro e outras ações no sentido de mostrar principalmente a importância do autoconhecimento e da reflexão.
Nesta direção, a entrevista clínica opera como recurso principal do trabalho e se busca identificar motivações inconscientes das escolhas ou não escolhas de caminhos profissionais; a que ordem de afetos elas estão associadas; se o tipo de escolha a que aderiu o jovem o põe no lugar de membro sintomático em seu grupo familiar, por exemplo; e assim por diante.
Trata-se de um olhar para além das aparências objetivas, no qual orientador e orientando são parceiros em um processo de investigação do mundo interno do orientando. Acreditamos, então, que quanto mais o indivíduo se apropiar conscientemente das questões envolvidas em seu processo de escolha, melhor poderá optar por um caminho, delineando uma proposta de carreira futura e, mais que isso, todo um estilo de vida que irá interagir com sua identidade no sentido mais amplo.
LUIZ: O fato de levar em conta os processos inconscientes na escolha de uma profissão altera o trabalho do Orientador Profissional de que forma?
CONCEIÇÃO: Minha experiência nestes 35 anos de carreira me dá certeza de que sim. Facilitar o processo de autoconhecimento e dos elementos conscientes e inconscientes relacionados à escolha introduz uma nova percepção do sentido da escolha e leva a mais do quê uma simples escolha. Em geral, leva a um projeto. Projeto no sentido de que a escolha se alinha de forma mais clara com a pessoa que quero ser e a vida que quero levar, de forma articulada com a realidade e com mais flexibilidade. Flexibilidade porque acredito que um dos ganhos mais preciosos deste processo é o de facilitar o processo de autorreflexão que impacta todos os outros aspectos da vida. Acompanho várias pessoas que atendi e o que observo é “aprendem” a se pensar mais, a tentar entender melhor os aspectos envolvidos em uma escolha. Como diria o Bohoslavsky, é um processo profilático.
MARIA LUIZA: Na abordagem psicanalítica em Orientação Profissional, se a visão de sujeito inclui um sujeito do inconsciente, isso muda a metodologia adotada com o jovem ou adulto em momento de escolha profissional e a condução das sessões de Orientação Profissional. Além das atividades de autoconhecimento e de informação profissional, valorizadas em programas de Orientação Profissional de diversas abordagens, faz-se uso da escuta clínica e de atividades projetivas que funcionam como facilitadoras do contato e mediadoras do acesso ao material inconsciente.
LUIZ: O livro “Psicanálise e Escolha Profissional” deve ser lançado em breve. Vocês podem nos contar um pouco a respeito desse trabalho? A quem ele pode interessar? Que temas irá abordar?
CONCEIÇÃO: O livro abarca desde um trajeto histórico e teórico do diálogo OP e Psicanálise como, também, discute temas contemporâneos relacionados com a escolha, passando necessariamente por descrições de práticas fundamentadas na psicanálise, trazendo para dialogar com a OP outros autores, além da Klein, como fez Bohoslavsky, como Bion, Winnicott, entre outros. Trata-se, portanto, de um convite aos orientadores a dialogar com uma psicanálise mais atual.
LUIZ: O lançamento deverá acontecer quando?
CONCEIÇÃO: Ainda não temos essa data, pois ainda estamos esperando o prefácio ficar pronto, o David Levisky atrasou. Espero que até o final do ano consigamos fazer o lançamento. Quem sabe de presente de Ano-novo!
Entrevista realizada por Dr. Luiz Celso Castro de Toledo, membro filiado da SBPRP
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