Escrever sobre Psicanálise é um desafio. Freud criou um modo de relatar casos e pensar sobre o desenvolvimento da teoria que segue inspirando analistas contemporâneos. De certa forma, criou um gênero ao empenhar-se em compartilhar a sua forma de trabalhar na clínica. Ao escrever, cada analista se vê diante da necessidade de recriar esse gênero – a escrita psicanalítica -, reformulando teorias, contribuindo para expandi-las, descobrindo-se, enfim, como pensador e personagem da própria narrativa.

As revistas sempre tiveram um papel importante na história da transmissão, do desenvolvimento e na difusão da psicanálise. Através delas, conhecemos o trabalho de colegas de nossa e de outras cidades e países, entramos em contato com o que já foi feito e com o que há de novo no mundo.

Entre nós, a Revista Berggasse 19 (publicação da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Ribeirão Preto) tem cumprido admiravelmente o papel de ser o veículo de organização, difusão e reunião dos trabalhos de colegas. Alexandre Martins de Mello é o atual Editor da Berggasse 19.

Nessa entrevista, conversamos sobre o seu trabalho à frente da revista, os caminhos de um artigo até a publicação, o crescimento da Berggasse, dentre vários outros temas. Desejo a todos(as) uma ótima leitura!

LUIZ TOLEDO: Há quanto tempo você está desempenhando a função de editor da Berggasse?

ALEXANDRE MARTINS: Participo do Conselho Editorial desde o ano de 2010, entrei no número 2 do Volume I e exerço a função de Editor há dois anos.

LUIZ TOLEDO: E como é que é essa experiência de ser editor de uma revista cientifica? 

ALEXANDRE: Ser editor de uma revista é uma experiência intensa e de muita responsabilidade. Não sei se é assim em todas as revistas, mas o que eu converso com outros editores é que é uma tarefa na qual a gente aprende muito, mas se cansa muito. Por isso, acho que o editor deve ter prazo de validade. O trabalho tem toda uma delicadeza com os artigos submetidos, trato com os autores e com os pareceristas. Essa parte, geralmente, é agradável. Contamos com o trabalho voluntário de muitos, os pareceristas, os colegas do conselho, sou grato pelas parcerias que estabeleci nesse tempo de revista.

O texto de cada autor, assim como cada parecer, contém aspectos preciosos do trabalho e do conhecimento psicanalítico. A função do Editor e do Conselho é dar o melhor encaminhamento possível para a publicação das ideias, resultantes desse esforço para a escrita, para a comunicação. Há autores que aceitam o processo de avaliação e isso torna o trabalho mais fácil. Há autores pouco propensos a aceitar outras opiniões, o que dificulta a publicação de alguns artigos.

Existe também todo um outro trabalho que é técnico para a preparação dos artigos para posterior diagramação, que é feita pela jornalista responsável, a Sheila Cristina Guimarães. Essa etapa envolve revisões de gramática com a professora de português Maria do Socorro Senne, de inglês com Sra. Margarida Troncon Busatto, espanhol com Sr. Mário ou com o Sr.Cláudio César Montoto,  e correção de referências e citações com a bibliotecária da SBPRP Vanessa Alves Zagatto. É um trabalho que exige do editor e de toda a equipe um meticuloso trabalho de leitura e releitura dos artigos. Nas sucessivas revisões são encontrados pequenos erros, negrito onde não devia ter, necessidade ou não de itálico, etc… Essa tarefa exige tempo e muita atenção. Eu estimo que um editor precise dedicar, no mínimo, dez horas da sua semana à revista. É bastante tempo e exige concentração em detalhes. A gente precisa de tempo contínuo em cima de um artigo, de uma tarefa, que tem idas e vindas até a versão final de cada artigo. Ressalto que é um trabalho de equipe e sou muito grato ao Conselho Editorial, no momento composto por Beatriz Troncon Busatto, Denise Lopes Rosado Antonio, Fernanda Roberti Sivaldi Passalacqua, Lucimar Fortes Paiva e Sandra Nunes Caseiro. Cada uma delas contribuiu muito ao longo desses anos de trabalho

LUIZ TOLEDO: E quais são, para vocês, as coisas que diferenciam a Berggasse de outras revistas sobre psicanálise? Quais são as especificidades dela? 

ALEXANDREA especificidade da Berggasse reside em divulgar trabalhos psicanalíticos e refletir a produção local, tanto a produção dos analistas de Ribeirão Preto quanto dos nossos convidados, com textos apresentados nos eventos organizados pela Diretoria Científica e pela Diretoria de Cultura e Comunidade. Consideramos importante, também, publicar a produção de Membros da SBPRP apresentada nos Congressos Nacionais e Internacionais. Lembramos que o sistema de avaliação da revista costuma ser mais criterioso que o de um Congresso. Entretanto, o processo de avaliação de um texto pode auxiliar o autor a aprimorar a sua escrita. Em comum com outras revistas temos a publicação de autores estrangeiros, frequentemente um trabalho por número, e somos abertos para textos de conferencistas de outras áreas apresentados nos eventos organizados por nós.

LUIZ TOLEDO: E como a linha editorial da revista foi se constituindo? 

ALEXANDRE: Inicialmente, a revista só publicava artigos de psicanalistas que já fossem membros associados ou efetivos. Não aceitava o trabalho de membros filiados e por exemplo, o trabalho de um filósofo. Aos poucos, conforme a revista ganhou corpo e o conselho editorial adquiriu experiência, houve abertura para receber mais artigos. Hoje podemos contar com pareceristas de outras áreas que contribuem com as decisões sobre a publicação de textos.

Nesse caminhar, a gente também teve muitos eventos e as Bienais. Destaco que, uma qualidade da nossa Sociedade é que a gente tem eventos científico-culturais que são muito ricos para os psicanalistas e para os profissionais que estudam psicanálise e são parte dos leitores da revista. Eu acho que essa é uma qualidade da revista que a torna diferente da revista da Febrapsi e da revista de Porto Alegre, por exemplo.

Nós somos uma revista catalogada na Biblioteca do Instituto de Psicologia da USP de São Paulo e indexada na Bivipsil (Biblioteca Virtual de Psicanálise da América Latina). Para uma revista ser indexada no Pepsic e classificada, inicialmente, ela tem que ser, de preferência, aberta e digital. As revistas de psicanálise brasileiras indexadas são antigas, tem mais de 20 anos, por isso elas conseguiram essa classificação em uma época que o universo ainda não estava digitalizado.

LUIZ TOLEDO: Como é o trâmite para a aprovação de artigos?  

ALEXANDRE: O artigo é recebido, são retiradas as identificações do(s) autor(es) e ele é enviado para três pareceristas com garantia de anonimato. Se é um artigo de alguém que não é da cidade, procuramos pareceristas de Ribeirão que não tenham ligação ou possam identificar o autor. Se os autores são daqui, procuramos pareceristas de outras sociedades. Essas avaliações demoram cerca de dois meses. Quando os pareceres retornam, o artigo pode ser aprovado para publicação, aprovado com modificações ou recusado. Se ele é aprovado, ele já entra no fluxo das revisões e formatação. Quando são sugeridas modificações ou o artigo é recusado, são enviados aos autores os motivos da recusa e as sugestões de modificações necessárias para publicação.

LUIZ TOLEDO: Quais você acha que são as principais dificuldades para editar uma revista de psicanálise? 

ALEXANDRE: Bom, eu só posso falar pelas dificuldades ou questões da Berggasse. Somos uma sociedade pequena em número de membros quando comparados com São Paulo e Porto Alegre, temos poucos recursos humanos e financeiros. Então, nesses anos, a gente teve trocas de bibliotecárias, discussões para a redução do custo da impressão e do trabalho com a revista. Eu acho que é uma conquista a Berggasse ganhar o respeito dos seus membros e ser aceita como algo que é da Sociedade, que é parte do patrimônio material da Sociedade, porque é um registro que pode ficar e ser preservado. Em algum outro momento a gente pode resgatar a história da nossa Sociedade, de quem eram os nossos membros, enfim, de como eles pensavam. Penso também que o Conselho Editorial e os Editores aprendem muito, estudamos quando lemos e nos fundamentamos para opinar sobre um artigo.

LUIZ TOLEDO: E a comunidade de Ribeirão, na sua opinião, tem o hábito da escrita? A gente tem um volume de textos que seja compatível com a vivacidade da nossa Sociedade? 

ALEXANDRE: Eu acho que a questão do desenvolvimento da escrita, particularmente do desenvolvimento da escrita clínica, é um desafio para todos os psicanalistas. Alguns autores já vêm para a formação, tendo escrito mestrado, doutorado, conhecendo o que é uma publicação. Então, têm uma escrita um pouco mais fluída do que outros. Mas, eu vejo que um grande desafio dos psicanalistas em termos de comunicação de ideias é a publicação, tanto porque envolve a relação com o material clínico original, que exige sempre um trato muito respeitoso, delicado e sigiloso, quanto pela questão de expor o próprio pensamento e se sujeitar a críticas. Eu acho que o volume de textos submetidos ao longo da minha gestão aumentou e isso é muito interessante. A gente tem recebido cada vez mais textos de analistas de Ribeirão Preto, que dão prioridade para a nossa revista.

LUIZ TOLEDO: Quais são as perspectivas futuras para o próximo editor da revista?  

ALEXANDRE: A próxima editora da revista vai ser a Sandra Nunes Caseiro, ela já foi aprovada pelo Conselho Editorial e pela diretoria. A gente está trabalhando juntos para a organização e atualização do fluxo de produção da revista, com objetivo de aprimorar partes da confecção da revista. Nós temos conversado bastante no conselho, que está se renovando. Vão entrar novas pessoas para trocar e aproveitar a experiência de parte do conselho atual que está junto, praticamente desde o início de fundação da revista, para que mais pessoas possam conhecer e participar. Cogitamos, também, fazer uma pesquisa para saber mais sobre os nossos leitores. Há questões que são importantes para discussão no Conselho Editorial: outras revistas admitem a participação de candidatos que estão avançados na formação. Considero que a participação de candidatos que terminaram os cursos e a segunda supervisão poderia enriquecer muito a revista, mas são apontamentos para pensarmos.

LUIZ TOLEDO: E, além da Berggasse, quais são as revistas de psicanálise que você acompanha?  

ALEXANDRE: Acompanho a Revista Brasileira de Psicanálise e gosto muito da revista de Porto Alegre, eu gosto do que eles produzem, tem alguns números temáticos, com vários artigos dos analistas de lá. Gosto e acompanho o International Journal of Psychoanalysis como uma referência. Sou consultor do Livro anual de psicanálise, faço parte de um grupo de pessoas que vota os artigos do IJP que irão para o livro anual.

LUIZ TOLEDO: O que mais você acredita que valha à pena contar sobre o seu trabalho na revista? 

Alexandre: Eu acho que vale a pena contar do entusiasmo. A revista tem uma história. Uma história e espaço conquistado na sociedade. A Sociedade ter uma revista é algo muito importante, para mim é uma grande conquista, porque em poucos espaços o autor pode ter a possibilidade de ouvir o parecer sobre a sua escrita de maneira anônima. Se o autor tem essa possibilidade, ele pode aprimorar muito o trabalho da escrita, publicação e divulgação das ideias psicanalíticas. É óbvio que não é uma opinião sobre a pessoa dele, sobre a totalidade do trabalho dele, é sobre a escrita psicanalítica. E um aspecto muito interessante é quando os autores recebem os pareceres, revisam seus trabalhos e, às vezes, resolvem não submetê-los à Berggasse, ou conseguem, com o nosso parecer, revistas de maior abrangência.

LUIZ TOLEDO: Como vai ser a próxima edição? O que você pode contar? 

ALEXANDRE: O volume oito, número um, que está saindo agora em fevereiro, que está na fase da revisão da prova gráfica, é um número muito interessante porque ele começa com o artigo de uma italiana, Elena Molinari, sobre literatura e psicanálise, que apresenta, por meio de personagens literários que apareceram na sala de análise um trabalho com uma paciente ligada à literatura. É um belo artigo, gostoso de ler. Temos os trabalhos de Annie Reiner e Paulo César Sandler refletindo o nosso preparatório para o Bion 2018. São dois artigos densos que foram apresentados e que ficam como referência para as pessoas poderem ler e estudá-los.

Depois nós temos o artigo apresentado no congresso da IPA, escrito pela Maria Cecília Pereira da Silva, de São Paulo, que é “O funcionamento sadomasoquista: uma blindagem à intimidade”, e três trabalhos da casa. O primeiro deles da Denise Zanin, intitulado “E se eu pudesse entrar na sua vida: sobre movimentos mentais da analista em busca de sua analisanda”. O outro “Antes de nascer, mundo psíquico: conjectura sobre a mente embrionária e o nascimento psíquico”, da Ana Márcia Vasconcellos de Paula Rodrigues. E o terceiro da Renata Sarti: “Sobre o universo psicanalítico: o trabalho do analista diante da multiplicidade de dimensões mentais evidenciado em Bion”. E nesse número nós temos uma novidade. Pela primeira vez publicamos uma supervisão, de um caso da Fernanda Passalacqua supervisionada pela Annie Reiner. Finalmente teremos uma resenha, que é de um livro do Walter Trinca, intitulado “Múltiplas faces do Self”, realizada pela Maria Letícia Wierman e, finalizando, a entrevista realizada com a Annie Reiner. E eu gostaria de lembrar a todos que o próximo número vai ser sobre Pensamentos Selvagens. Posso adiantar que a gente já está recebendo alguns artigos e acredito que vai ser muito interessante.

LUIZ TOLEDO: Muito obrigado pela entrevista. 

ALEXANDRE: Eu é que agradeço pela oportunidade de apresentar a Berggasse 19.

Entrevista realizada por Dr. Luiz Celso Castro de Toledo, membro filiado da SBPRP