por Ana Regina Morandini Caldeira , membro efetivo da SBPRP

Você já teve vontade de apagar alguém de sua memória?

Já desejou abolir as lembranças dolorosas, e ficar somente com o que lhe dá prazer?

Buscou por relacionamentos idealizados, livres das frustrações?

O filme, do talentosíssimo Charlie Kaufman com direção de Michel Gondry, cogita estas possibilidades, ao falar sobre almas que se sentem acuadas pela dor do amor, na procura de afastar-se de suas memórias, sem saber que, consequentemente, distanciam-se da consciência de si mesmos. Concebe e questiona a perspectiva de corações resguardados, sem lembranças e não assombrados por elas.

“Brilho eterno de uma mente sem lembranças” abre o décimo ano de apresentações e comentários do Cinema e Psicanálise de Franca.

A película é cativante, única, contemporânea e surpreendente, numa mescla entre o passado e o presente, o imaginário e o real, o apaixonante e o temido, revela uma odisseia sobre a riqueza e a complexidade de nosso mundo interno.

Assisti-lo é ver um poema na tela, como uma declaração de amor, a partir de suas imagens oníricas. Porém, tanto quanto não saímos os mesmos depois do contato com uma obra de arte significativa, o roteiro nos desacomoda, alicerçado em suas reviravoltas e mudanças de contextos, propondo-nos emoções e reflexões desafiadoras.

O início deste conto, que transita entre o tangível e o fictício, se dá a partir de um encontro amoroso entre Joel (Jim Carrey) e Clementine (Kate Winslet). Logo após esta abertura, a narrativa segue de forma não sequencial, continuando a nos contar sobre a relação dos dois, com saltos no tempo.

O enredo fala sobre um procedimento neurológico em que se apagam as memórias referentes a vivências dolorosas. Clementine é quem inicialmente realiza este propósito. Assim que Joel toma conhecimento deste feito, movido por raiva e frustração, propõe-se a isto também. Porém, durante o feitio deste, arrepende-se de sua escolha, onde praticamente inconsciente, vai lutando para manter suas lembranças, inclusive as indesejáveis. Pois como nos disse Guimarães Rosa, “o que lembro, tenho”.

A partir de então, fazemos uma jornada emocionante pela mente do protagonista. Em trilhas paralelas vê-se duas ações: a exterior, constituída pela equipe que tenta apagar as memórias indesejáveis; e a íntima, numa tentativa de preservar o que lhe constitui, Joel busca os ingredientes indispensáveis à recomposição de sua paisagem interna. É a partir de um embate de inquietações mentais, que nos identificamos com o personagem, nos entregando a esta viagem também.

Com um elenco de peso, Jim Carrey, Kate Winslet, Kirsten Dunst, Mark Ruffalo, Elijah Wood e Tom Wilkinson, juntamente ao roteiro premiado com o Oscar, fica fácil o envolvimento com este filme de personalidade tão marcante e profunda.

A direção de fotografia é encantadora, a qual possibilita sonharmos escorregando num labirinto narrativo de construção e desconstrução de imagens surreais, associadas a uma trama atemporal de imensa sensibilidade.

Nos identificamos com os personagens, pois o que no fundo sentem é uma sede de amor e um horror à solidão, associados a vãos esforços de apagar o passado para direcionar o futuro.

Falar mais sobre este filme, o reduziria a algo racional, além de estragar tantas surpresas que o fato de o assistir nos presenteará. Desta forma, finalizo aqui minha escrita, dando as “chaves” e convidando vocês para que venham desvendar as “fechaduras” a que elas se aplicam, hoje, no Centro Médico de Franca, às 15:00h.

Nós, da Comissão Organizadora do Cinema e Psicanálise, estamos em festa por iniciarmos o décimo ano de vida deste projeto, com lembranças vivas de construções, emoções e enredos afetivos.

Teremos a chance, nesta tarde de hoje, de poder pensarmos nas memórias que nos constituem, e no quanto elas são elementos de vitalidade à nossa trajetória.

Esperamos por vocês!