O próximo Terças na Sociedade será realizado dia 11 de setembro, desta vez com o tema: “A vida em cena: atuação, transformação e representação”. Os comentários serão de Silvana Mara Lopes Andrade, membro associado da SBPRP.
*Obs: inscrições pelo site: https://www.sbprp.org.br/site/eventos_show.php?id=59
A vida em cena: atuação, transformação e representação
por Silvana Mara Lopes Andrade, membro associado da SBPRP
A psicanálise, como todas as formas de conhecimento, também evoluiu. Está em um passado longínquo a figura do psicanalista do início do século XX, que exercia o papel de guardião de um conhecimento que seduzia e amedrontava, que através de suas interpretações tinha o poder de revelar a “verdade” do paciente, isto é, revelar um inconsciente reprimido, habitado por fantasias de incesto e sedução. Naquele modelo psicanalítico, o inconsciente tinha uma história já escrita, escondida sob as ruínas do passado agonizante, esperando que uma palavra reveladora o trouxesse à luz.
Atualmente, o psicanalista não encontra um analisando acorrentado à moralidade e rigidez daquela época, ao contrário, ele encontra um analisando imerso em incertezas e sem referências delineadas ou fundamentos que deem sentido à sua vida. Imerso em uma cultura onde os limites estão sendo rompidos e não há mais espaço para a repressão, apenas para a exibição, o analisando de hoje tem maior dificuldade para estabelecer relações de intimidade e contato com seu mundo interno do que os analisandos do passado, que se sentiam atraídos pelos fantasmas de seu inconsciente.
As transformações culturais e sociais nos levaram a introduzir variações e inovações a partir da prática clínica, o que demandou observação acurada na relação entre o analista e o analisando e um profundo repensar na técnica psicanalítica.
Observamos, ao longo da história da psicanálise, a capacidade dos analistas para transformar – onde é possível – obstáculos em recursos úteis para serem utilizados a favor do desenvolvimento do processo analítico. Isto aconteceu com o sonho, com a transferência e com a contratransferência, que não eram “vias régias” para o processo psicanalítico, mas, tornaram-se fios condutores do mesmo. Atualmente, um movimento semelhante está acontecendo com o enactement (Bolognini, 2009).
Observamos também que, à medida que o analista passou a ter um conhecimento mais amplo e profundo das dinâmicas em jogo entre o analista e o analisando, os modelos teóricos e as abordagens técnicas do analista se ampliaram. Compreendemos que mais do que interpretações reveladoras da verdade como texto escrito e revelado, o trabalho interpretativo apresentado de uma forma nova, em oposição ao movimento superficial e de simplificação da cultura contemporânea, torna-se eficaz e transformador. O trabalho clínico está cada vez menos dogmático e maior ênfase tem sido dada ao que se passa no processo terapêutico e sobre as vicissitudes vivenciadas pela dupla analista-analisando e das transformações que delas podem advir. Estamos atentos à riqueza de significado que o encontro analítico comporta e que a vida cotidiana traz consigo, com suas referências ao passado e sua abertura ao desconhecido, através de um trabalho criativo e compartilhado. A Verdade surge, então, a partir de um processo, que é transformado à medida que se cria.
Nesta compreensão, a finalidade da psicanálise é a transformação. Transformação de algo que não se encontra em condições de ser pensado, que se transforma e adquire a condição de ser expressado e aceitável, graças à relação analítica.
Pretendo, neste encontro com os participantes do Terças na Sociedade, abordar o desenvolvimento e desdobramentos de alguns dos principais conceitos e modelos psicanalíticos, basais para a compreensão da intersubjetividade em psicanálise e do processo analítico contemporâneo.
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Referências:
– Bolognini, S. (2009). Passagens secretas: teoria e técnica da relação interpsíquica; [tradução Telma Barros]. Cap. 5, p.115. São Paulo: Casa do Psicólogo.
– Pellizzari Giuseppe, La figura dello psicoanalista ai suoi esordi. Online em 04/09/2018. Disponível em: http://www.cmp-spiweb.it/psicoanalisi-scienza-sovversiva/
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