No último sábado, dia 20, o C&P de Franca apresentou o filme “Capitão Fantástico”, com comentários de Sônia Maria de Godoy. Leia abaixo o comentário de Sônia sobre o longa:

Ganhador de vários prêmios e indicado ao Oscar pelo desempenho de Viggo Mortensen, que faz o papel de Ben Cash, o filme “Capitão Fantástico” não é o que sugere o título: não é sobre algum super-herói dos games, muito pelo contrário. É sobre a trajetória de um homem comum, que nos dias atuais, desiludido tanto com o capitalismo quanto com a vida americana com estas características, e sentindo um estranhamento com a sociedade em que vive, muda para uma floresta para ali morar em isolamento e assim fugir do “caos”. Para lá leva sua mulher Leslie, constituindo uma família de seis filhos.

Eles recebem nomes “inventados para que fossem os únicos no planeta”: Bodevan, mais chamado de “BO”, Kielyr, Vespyr, Rellian, Zaja, Naj. Caçam suas refeições, moram em cabanas feitas artesanalmente, plantam o que comem, filtram a água, cozinham, limpam, estudam, tocam música, discutem assuntos políticos, filosóficos, literários, com um trabalho grupal entre eles, bastante solidário e integrativo.

Martin Ross, roteirista e diretor deste filme engenhoso, sedutor e envolvente, fala desta história que ele criou como sendo “a jornada de um homem que está fora de seu equilíbrio, e consegue encontrar um grau de equilíbrio o qual eu espero que todos nós possamos encontrar na vida”. Conta que ele próprio viveu assim, já que sua mãe também tinha comprado um pedaço de terra junto com amigos artesãos, em meio a uma floresta onde foram morar, com o objetivo de viver em harmonia com a natureza. Filme autobiográfico?

Somos apresentados à família de Ben Cash e nos encantamos com suas maneiras delicadas, alegres e civilizadas num ambiente considerado “selvagem”. Ben, interpretado magnificamente por Viggo Mortensen, é um pai que não economiza seus olhares amorosos e gestos dedicados através de sua presença constante ao lado dos filhos. Ele os ensina a sobrevivência naquele lugar, ao mesmo tempo em que os educa conforme seu ideal e o de Leslie, sua mulher: construir ali um lugar “único no mundo e um paraíso fora da “república de Platão”. Sua utopia seria a de criar filhos que se tornassem “reis filósofos”, sendo sua perspectiva política baseada nas reflexões do linguista e crítico anticapitalista norte-americano Noam Chomsky.

No entanto, algo acontece que obriga Ben a retornar ao contato direto com a sociedade da qual fugia, e a levar seus filhos, que vivendo sempre neste ambiente de forma “primitiva”, sempre estiveram alheios ao ambiente “civilizado” do mundo urbano. Desta forma, eles são obrigados a enfrentar o estranhamento de ambas as partes: de si mesmos, ao conhecer o que existe fora de seu paraíso, e o da sociedade que os recebe sem entender como são.

Desta maneira Martin Ross nos estimula, envolve, trazendo este contraste para refletirmos, num filme com fotografia lindíssima, em que ele nos toca pelo poder da emoção, ao resgatar os laços afetivos criados entre pais e filhos, existentes desde sempre. Ross aproxima-nos, com sua câmera, dos momentos mais sensíveis, mostrando-nos um Ben-pai-fantástico, acompanhando o ritmo de seu filho pelo violão, enquanto Rellian batuca num cajon, ou dando ordens com voz firme, ou ainda mostrando expressões prazerosas quando as coisas saem como ele desejava. Ben, no entanto, é um ser complexo, como todos somos, não é perfeito, e tem também seu lado autoritário.