por Josimara Magro Fernandez de Souza, membro efetivo da SBPRP

Árvore (Ai Qing)

Uma árvore, outra árvore

Cada uma de pé e ereta

O vento e o ar

Dizem de sua distância. Mas abaixo da capa da terra

Suas raízes se estendem

E em profundezas que não se veem

As raízes das árvores se entrelaçam

Este poema é de autoria de Ai Qing, pai do artista chinês Ai Wei Wei. Seu pai, poeta e libertário, teve enorme influência em sua vida, e, não por acaso, o nome da primeira exposição do artista no Brasil é Raiz.

Raiz, que acontece desde outubro de 2018 na Oca, no Ibirapuera (e, atenção, termina em 20 de janeiro de 2019!), é resultado de um trabalho de preparação de um ano, em que o artista e sua equipe visitaram o Brasil por cinco vezes.

A experiência de andar em caracol pelos andares do prédio icônico de Oscar Niemeyer, contemplar e interagir com as obras de Wei Wei e sua história é indescritível. Vamos, aos poucos, nos dando conta de que sua vida e suas ações são a própria arte ali exposta. A sua matéria prima são seus sonhos, traumas e seu ativismo político, na sociedade autoritária em que cresceu, vendo o pai poeta cair em desgraça e livros serem proibidos e queimados pelo regime.

Ai Wei Wei também foi perseguido e preso pelo governo chinês, resistiu e protestou por meio de sua arte. Como protesto, por exemplo, por ter tido seu passaporte confiscado, todos os dias ele colocava flores na cesta de sua bicicleta, fotograva e postava as fotos nas redes sociais. A hashtag #FlowersForFreedom viralizou e em em 2015, sua reivindicação foi atendida. A obra “Florescer”, formada por cinco painéis gigantes de flores em porcelana (belíssimas!), evoca esse período.

Imagem: reprodução

A obra “Reto” é formada por barras de ferro resgatadas de escolas de Sichuan, na China. Essas escolas desabaram, por ocasião de um terremoto, devido à baixa qualidade das construções públicas e milhares de crianças foram mortas. Ele recuperou as barras, em um processo muito trabalhoso, recuperando a memória e denunciando o acontecido.

Imagem: reprodução

Em 2015, após recuperar seu passaporte, Wei Wei foi à ilha de Lesbos, na Grécia, e ficou tão impressionado com o que ali encontrou, que ficou e transformou a ilha em plataforma artística de seu ativismo político, retratando, de diversas formas, o maior êxodo humano desde a segunda Guerra Mundial. Várias obras, inclusive o barco que flutuou no primeiro dia da exposição, no lago do Ibirapuera, falam da crise dos refugiados, consequência de vários desastres sociais e políticos.

Imagem: reprodução

No Brasil, Wei Wei parece ter sido tomado por várias questões de nossa cultura: a presença marcante da fé, o mundo natural com suas árvores exuberantes, e parece ter ficado desconcertado com as condições de escravidão do passado e do presente e com nossas injustiças sociais. E tudo isso foi trabalhado por ele, sua equipe e por muitos brasileiros, inclusive um grupo de presidiários, resultando em obras inventivas, que nos oferecem uma leitura nova e profunda de nossa terra.

Achei incrível o fato de a exposição acontecer justo agora, em meio às eleições mais turbulentas de nossa história, período em que testemunhamos o recrudescimento desavergonhado de posturas autoritárias e contrárias à defesa dos direitos humanos. A experiência de estar ali apreciando sua obra foi muito emocionante, especialmente por estarmos vivendo esse período tão triste e que aponta para sérios retrocessos em uma sociedade já tão carente e desigual. Foi uma experiência especial também, por estarmos, na SBPRP, em meio a acolaradas discussões a respeito de nossa próxima Bienal de Psicanálise e Cultura, que acontecerá em 2020. O tema que vem se impondo e se configurando é justamente a respeito das migrações, fronteiras, e nossa humana dificuldade frente à alteridade. Visitar a exposição, neste momento, foi um alento e uma inspiração! Visita que recomendo com veemência.

 “A América Latina é um lugar com necessidade histórica e ainda urgente de mudança social e, mesmo que tenhamos muitas teorias sobre isso, muito poucas práticas têm obtido sucesso em gerar qualquer mudança. A possibilidade de inocular algum tipo de vírus criativo neste contexto pareceu bastante atraente. Tanto na história social como na da arte, muitas vezes o agente de mudança vem de um elemento remoto que entra em contato com um território novo.” – Marcelo Dantas (curador da exposição)