por Luciano Bonfante, membro filiado da SBPRP
Estar à espera de se tornar planta,
lembrar-se de ter sido animal,
ter vindo de muito longe para esperar:
tornar-se, isto é: adquirir o seu repouso.
Maria Filomena Molder
Fincado próximo ao ângulo do canteiro delimitado pelo cimento, junto ao muro de divisa, o pessegueiro atravessa estações, domesticado no quintal da casa. Erguido em tronco hirto de casca rugosa, denunciando o tempo ignorado por ele, suas folhas estreitas, de diferentes tonalidades de verde, obedecem ao movimento do vento conforme a força natural se impõe.
Da visão da varanda, em primeiro plano, sua copa irregular recorta o céu e revela um cenário onde ele concorre, sem conflito, o espaço aéreo com outras árvores frutíferas, suas irmãs de destino. E quando floresce, é tomado por delicadas flores típicas da espécie, misturadas em quantidade à folhagem amarelecendo, prenúncios de uma safra de inédita fartura.
O pessegueiro, ora florido, agarrado ao chão com nobreza, prenuncia a colheita cumprindo seu desígnio. Vertidos da inflorescência, os rebentos despontam e logo pesarão os ramos de onde sugam a seiva invisível de sua nutrição. Então os frutos de veludo são tingidos de um suave amarelo, insinuando alaranjado com pinceladas de vermelho, cores fosco-acamurçadas, convidativas ao toque, alegrando os sentidos à espera do paladar.
Na safra que se acercava, os pomos abundantes enchiam o dia-a-dia, encantando o espectador mais distraído pela beleza que ornamentava seus galhos. De carga incomum, os frutos chegaram a termo: colheita!
Envolvendo a mão que mal se fechava sobre o espécime mais carnudo, havia o aroma peculiar inevitável. Generoso por natureza, o pessegueiro floresceu como nunca antes. Não haveria outro ano de prenhez. E os frutos derradeiros transformaram-se em sabor a cada polpa mordida, inundando bocas com sua suculência. Quantos pêssegos em uma só levada! Que magia moveu o pessegueiro a tamanho empenho? Há o insondável enigma dessa rara oferta. (Ensurdeço para a botânica).
Entre evidências e mistérios circundantes, aquele foi o último ano em que o forte pessegueiro ofereceu sua doçura. E de fruto em fruto, de semente em semente espalhadas por quem dele provou, ele foi germinando em outros solos da mesma terra, multiplicando-se em novas gerações. Hoje, enquanto completa seu ciclo, a sombra fresca permanece, mas quieto, quase imóvel não fosse pelas folhas que o vento ainda balança. Em seu silêncio, o velho pessegueiro mal desconfia que agora possa ser tantos.
Para Suad Haddad Andrade

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