No último sábado, dia 19, foi realizado em Franca o Cinema e Psicanálise. Desta vez, José Cesário Francisco Junior e Adriana Vilela Jacob Francisco comentaram o filme “Cidade dos Anjos”.
CIDADE DOS ANJOS
“Fall in love” ou a queda rumo à humanização
José Cesário Francisco Junior[1]
Adriana Vilela Jacob Francisco[2]
O filme Cidade dos Anjos contém assuntos instigantes, tratados com a delicadeza e o balanço sensível de um romance.
Baseado no filme de Win Wenders, Asas do Desejo, apresenta em “uma pintura” fílmica, a paixão entre duas pessoas e nos convida a nos voltarmos para questões muito pessoais, dentre outras, a impessoalidade.
Se estivermos disponíveis para pensar, podemos mergulhar nos obstáculos humanos para nos relacionarmos. Na película, dois personagens se destacam: Seth e Maggie.
Seth (Set), para os egípcios e gregos era um deus complexo: o deus do Caos, da seca, da guerra. A escolha deste nome para o personagem central não é casual. Do encontro de Seth com Maggie surge a confusão, a desordem e a perturbação, com as quais eles vão se haver, o que reverencia a vida real.
O personagem que traja cores escuras, preto e cinza; olhar fixo; mímica facial rígida com ausência de um sorriso natural, espontâneo e verdadeiro; movimento corporal sem coordenação e andar em bloco; tom de voz monocórdico, lembram um vivo-morto, que passa pela vida tangencialmente. Erudito, acadêmico que vive na biblioteca, vive para sua função. Não existe família, mulher, filhos, pai, mãe, irmãos. Assiste à vida, não participa dela. Não sente o gosto de gente, nem do que come e bebe. Uma vida robótica e automática. Esta é a característica pessoal: impessoalidade!
Nesta alegoria, a experiencia do encontro, o setting, nos coloca em contato com vivências “à moda de carne viva”, do “sem pele”, e que requerem uma palavra para significá-las, daí Seth.
Meggie, que em inglês nos remete à pérola, um mecanismo de defesa das ostras quando invadidas por parasitas invasores ou objetos estranhos, os ataca utilizando-se de uma gosma (nácar ou madrepérola) que reveste uniformemente aqueles que a penetram, isolando o perigo.
A personagem, uma médica cirurgiã cardio-toráxica, se desenvolvendo, bem-sucedida, com sua carapaça racional e eficiente, sofre o impacto de não conseguir salvar seu paciente. Ao perdê-lo na mesa cirúrgica, se dá conta de que mesmo usando seu conhecimento e técnica apurados não pode evitar a morte. Surge o inquietante questionamento desorganizador: “Se não posso evitar a morte, pra quê?”
O encontro dos personagens possibilita que os dois vivam rupturas e quedas, psicodramatizadas externamente. Embora o filme aborde problemas semelhantes para os dois personagens, a morte em vida e o apaixonamento (“fall in love”), como tentativas de contactar a vida, Seth e Maggie vivem caminhos distintos na maneira de lidar com o “invasor”.
Se podermos nos utilizar da pintura fílmica para pensar, com cuidado e atenção, voltaremos aos seguintes questionamentos:
Será que precisamos de viver primeiro externamente para depois nos voltarmos para nossa vida de realidade interna? Primeiro sentimos, depois pensamos? Seria esta uma outra questão narcísica? Sempre chegamos atrasados?
[1] Médico Psicanalista, Membro Efetivo e Analista com funções Didáticas na Sociedade Brasileira de Psicanálise de Ribeirão Preto (SBPRP-IPA) e Membro Associado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP).
[2] Psicóloga, Mestre e Doutora em Saúde Mental (FMRP-USP) e Membro Associado na Sociedade Brasileira de Psicanálise de Ribeirão Preto (SBPRP-IPA).
Deixe um comentário