por Maria Auxiliadora Campos — Médica Psiquiatra e Psicanalista, membro efetivo da SBPRP

Texto adaptado de entrevista dada pela autora para Robert Siqueira para a Rádio USP, em 11 de agosto de 2020. Para escutar a entrevista, clique aqui.

Notícias falsas, atualmente conhecidas como Fake News, existiram desde sempre. Sua divulgação, no entanto, tornou-se mais rápida e com maior poder de abrangência, com o advento e popularização das ferramentas digitais e das redes sociais, podendo causar prejuízos ao cidadão comum, a políticos, empresas, enfim à sociedade como um todo.

Imagem: acervo de Dresler Horschutz

Convivendo com o “homem bom”, existem aspectos primitivos, destrutivos, invejosos, desejosos de poder e negacionistas, entre outros. Nós, humanos, somos regidos pelas pulsões de vida e de morte, que podem tomar caminhos mais construtivos ou destrutivos, voltados ou não para a realidade, o que de um lado implica em conviver com a frustração, e de outro buscar satisfação imediata para pulsões e desejos, sem que o pensar e a ética sejam acionados para contemplar questões civilizatórias. Cotidianamente somos convidados a mediar estes polos opostos, de forma que aspectos como empatia, generosidade e solidariedade prevaleçam.

As Fake News abrangem um espectro muito amplo, podendo causar danos de maior ou menor gravidade, em função das condições mentais de quem as produz e/ou dos fins a que se destinam. Podem ser produzidas por um indivíduo em particular e, geralmente, são produtos de uma mente movida por sentimentos de ciúme e inveja, desejo de vingança, por uma condição mental onde prevalecem conteúdos delirantes ou até mesmo pela presença de aspectos perversos, cujas repercussões têm amplitude variável. A título de ilustração, podemos citar Hitler, lembrando que a repetição exaustiva de falas de conteúdo falso foi incorporada pela população alemã, levando a estragos que culminaram com a Segunda Guerra Mundial.  A produção de ideias, normalmente fruto de um pensar criativo, pode também ser reduzida a uma estratégia de marketing. É o que acontece quando profissionais e algumas empresas são contratados para produzir e disseminar Fake News para um público específico e voltadas para interesses espúrios. Estaríamos lidando com personalidades narcísicas, paranoides, perversas que pouco interesse têm pelo coletivo? Ou poderíamos pensar que ações de tal natureza refletem apenas o modelo socioeconômico e político em que vivemos, onde a ideia equivale a um produto a ser consumido? Eleições realizadas recentemente em alguns países, apontaram interesses políticos e econômicos, norteando a produção maciça de informações, visando a destruição da imagem pessoal e pública de candidatos e estimulando muitos eleitores a fazerem escolhas equivocadas.

As situações de crise, ao tirarem as pessoas de sua zona de conforto, podem desestabilizá-las por favorecerem o surgimento de desamparo frente ao desconhecido, ao incerto, ao duvidoso.  Atualmente, a população mundial está sendo vitimada por uma pandemia sem precedentes, acontecimento este que constitui um caldo “viral” propício à proliferação de muitas notícias e teorias, que embora careçam de evidências científicas, alimentam e servem de alento para muitas pessoas. Por terem impacto diferente entre elas, as Fake News e teorias conspiratórias não as atingem igualmente. As mais sugestionáveis, com menos recursos psíquicos para lidar com o sofrimento, com as perdas, com a incerteza têm maior chance de aderir às mesmas e tomá-las como verdade. Às vezes, acontece da ideia ficar aderida à mente como se dela fizesse parte, instalando-se como uma verdade não passível de discussão, de reflexão, de transformação, passando a ter caráter dogmático, constituindo-se assim em uma crença, uma verdade absoluta, frente à qual o diálogo é inútil. É assim que funciona a mente fundamentalista.

Um outro fato associado às Fake News é que vivemos um momento em que presenciamos manifestações que se enquadram no conceito de pós-verdade. Em parte, porque o medo e a ansiedade não convivem bem com a incerteza, com o aleatório, com a ameaça de finitude, levando muitas pessoas a se apegarem a notícias, mensagens e promessas que contemplam seus desejos e, mesmo que ilusórias, as tranquilizam. Entre nós, evidências científicas estão sendo desconsideradas. O “achismo” aparece como resposta fácil e é divulgado às claras, sendo as questões de ordem ética com frequência desconsideradas.

Abordei neste texto alguns aspectos ligados à produção e divulgação de Fake News, assim como as repercussões desta prática, tanto no contexto individual como no coletivo. Apontei também que a situação de pandemia que estamos vivendo, ao deixar as pessoas mais vulneráveis, constitui-se um terreno muito favorável à sua proliferação.