texto por Silvana Andrade, pela Comissão Cultural da
V Bienal de Psicanálise e Cultura da SBPRP
A Comissão Cultural exibirá na edição de 05/02/2021 da V Bienal de Psicanálise da SBPRP o documentário “A Linguagem do Coração”, com roteiro e direção da cineasta Silvana Nuti.
O documentário mostra que, desde o início da guerra da Síria, o Brasil recebe mais sírios do que os países europeus na rota dos refugiados. O Estado de São Paulo lidera o ranking de pedidos de refúgio no Brasil, sendo a maioria da Síria, Angola, Nigéria e Congo. “A Linguagem do Coração” retrata a nova vida de refugiados que chegavam ao Brasil enquanto o país enfrentava uma de suas piores crises político-econômica.
Pelo olhar potente e sensível de Silvana Nuti, vivenciamos as íntimas e intrincadas relações que os refugiados tecem com a nova cultura, com o novo lugar, ou com o não-lugar, e consigo mesmos. Faz-se visível o profundo impacto e o significado íntimo e pessoal que a mudança e o afrouxamento, ou mesmo a quebra, de suas raízes provocam na vida destas pessoas.
“A Linguagem do Coração” abre uma fresta por onde os estrangeiros adentram ao nosso mundo. Tornamo-nos sujeitos participantes de suas experiências e de seus conflitos, vivenciamos os desafios imensuráveis por eles enfrentados e a força para a vida em ação dentro de cada um. Torna-se impossível não olhar para a agressividade e violência sempre à espreita no ser humano. Somos desafiados a ampliar o nosso olhar, a percorrer novos espaços geográficos internos e ao nosso entorno, a construir uma nova história das relações humanas, com abrigo para o estrangeiro que vem de fora, assim como para o estrangeiro que habita dentro de cada um de nós.
A psicanálise, desde a sua criação por Sigmund Freud, tem desenvolvido seus estudos e trabalhado com a finalidade de ajudar o ser humano a desenvolver condição de hospitalidade e transformação dos conflitos subjetivos inerentes à condição humana, assim como dos conflitos que emergem de condições catastróficas ou gerados por cenários políticos e sociais traumáticos. Compreendendo que o psicanalista tem responsabilidade social de semear condições propícias para a continência, integração e transformação dos nós oriundos dos conflitos sociais e políticos contemporâneos, a comissão cultural da V Bienal de Psicanálise e Cultura propôs a exibição deste documentário como um espaço possível para reflexão sobre as condições de pensar do ser humano, sua capacidade de agregar e estabelecer laços íntimos e verdadeiros consigo e com o outro na sua constante busca de melhores condições de vida.
O documentário, coproduzido pela Sol Filmes e Atomica Filmes em 2016, foi exibido na Mostra Internacional de Cinema Migração e Refúgio (Cine MigrArte, Brasília), Mostra Internacional Linhas Imaginárias (Belo Horizonte), no MIS (Museu da Imagem e do Som, SP), Sala Maria Antônia USP (São Paulo), Cine Matilha (São Paulo) e vem sendo exibido nas mostras nacionais e internacionais da ACNUR (Agência da ONU para refugiados). Recebeu o Prêmio de Roteiro na Lei Aldir Blanc, Audiovisual, em 2020.
texto por Silvana Nuti, jornalista e cineasta
Conheça a diretora do documentário “ A Linguagem do Coração”

Silvana Nuti é jornalista e cineasta. Trabalhou como repórter e editora na Folha de S.Paulo, entre outros veículos. Durante uma estada de quatro anos na Europa, colaborou como roteirista para emissoras de TVs em Roma, e para o programa Eurotrash em Paris, seguindo posteriormente para Nova York, onde especializou-se em roteiro na universidade The New School. De volta ao Brasil, aprofundou-se no movimento do neorrealismo no audiovisual, com o crítico de cinema italiano, Enrico Giacovelli, e com o curador de arte, Gabriel Bogossian (Videobrasil), sobre cinema e arte de Pier Paolo Pasolini. Dirigiu curtas de ficção e documentários, entre eles o documentário “A Linguagem do Coração”(2016), exibido em salas de centro culturais, como o MIS (Museu da Imagem e do Som), e em mostras nacionais e internacionais promovidas pela ACNUR (Agência da ONU para Refugiados) no Brasil, entre outras.
“A Linguagem do Coração”
texto por Silvana Andrade, pela Comissão Cultural da
V Bienal de Psicanálise e Cultura da SBPRP e
Silvana Nuti, jornalista e cineasta
A Comissão Cultural da V Bienal de Psicanálise e Cultura da SBPRP mergulhou e explorou o tema “O estrangeiro como conceito limite, entre o político e o psicanalítico” . Foram muitas conversas com a cineasta Silvana Nuti, roteirista e diretora do documentário “ A Linguagem do Coração”. Dentre tantas experiências tocantes e relevantes que a cineasta nos apresentou, a comissão escolheu para compartilhar com os convidados da Bienal a história de Omana Petench, um dos personagens centrais do documentário “ A Linguagem do Coração”.

A cineasta e jornalista Silvana Nuti, diretora do documentário A Linguagem do Coração conheceu Omana Petench, em São Paulo, em 2016, durante as pesquisas de desenvolvimento do roteiro do filme. Após a produção, a diretora promoveu a exibição do documentário em salas de cinema de centros culturais e museus de São Paulo, como o MIS (Museu de Imagem e do Som/SP), cine Matilha, cine Maria Antônia USP, entre outros, seguido de debates com alguns refugiados participantes do filme. Um dos personagens centrais do documentário é Omana Petench, ex-professor universitário do Congo, que contou após um dos debates do filme porque escolheu o Brasil para viver.
“Eu precisei fugir. A milícia queria me matar. Depois de baleado, fui socorrido por um médico da Cruz Vermelha, que era brasileiro. Ele me ajudou a embarcar para o Brasil e chegar em São Paulo. Eu vim aqui para o Brasil como refugiado. Politicamente, eu sou um refugiado. Mas, culturalmente, eu não sou”, diz. Em busca desse resgate cultural Omana fundou a ONG Mungazi, que atua na Zona Leste de São Paulo. A proposta da organização está em acolher refugiados, mas também divulgar a cultura africana e a língua suaíli (Swahili).
Omana Kasongo Ngandu Petench nasceu em 14 de outubro de 1965, na província de Kisangani, na República Democrática do Congo. Estudou Letras, Ciências e Cultura Africana na Université Nationale Pedagogique, em Kinshasa, a capital. “Eu queria ser professor, mas só poderia virar titular após escrever minha tese. Fui à França para estudar e lá pude olhar meu país com outros olhos. O Congo é um dos países do mundo com os maiores índices de violência contra as mulheres. Também me incomodava o recrutamento de crianças pelas milícias para a guerra. Voltei decidido a refletir sobre essa situação”.
De volta ao Congo, Omana se tornou professor universitário, casou com Bibiche Tiba Omana, que também dá aulas na Mungazi, e tiveram seis filhos. “Eu voltei ao meu país e não podia aceitar aquela situação. Uma guerra política, que roubava nossas riquezas, recrutava crianças como soldados e violentava mulheres. Criei uma ONG e passei a atuar em defesa dos direitos humanos”, conta.
A partir de 2008, passou a organizar reuniões e conferências em defesa dos direitos da mulher. Manifestações foram realizadas por todo o país. O movimento cresceu juntamente com a ira do governo. Omana foi preso, torturado e foi ferido a bala – uma tentativa de homicídio frustrada. “O governo não aceitava críticas, muito menos nossas manifestações. Não sei como sobrevivi, mas no hospital, o médico me alertou que não poderia ficar no Congo. Todos pensaram que eu escolheria a França, mas quis vir para o Brasil. Um país que recebeu meus ancestrais”.
Omana perdeu uma filha, vítima da violência do governo. Chegou ao Brasil em 2013 e teve apoio da ONG Cáritas, e do Instituto Adus (Instituto de Reintegração do Refugiado) no processo de requerimento do Registro Nacional de Estrangeiros (RNE). Passou um ano sem notícias da família, que só conseguiu vir para o Brasil em abril de 2016.
“Aqui em São Paulo eu comecei a dar aulas de francês e de história da África e conseguia mandar dinheiro para a minha família lá no Congo. Senti as dificuldades dos refugiados. É muito difícil conseguir emprego, moradia. Temos a barreira da língua. Então, decidi ajudar aqueles que estão chegando”.
A Mungazi já atendeu quase 2.000 refugiados, a maioria da África. A ONG atua dando apoio aos refugiados, recebendo doações e distribuindo roupas, mantimentos e brinquedos. E também atua no setor educativo. “Ensinamos e resgatamos a cultura africana. Também ensinamos línguas como o suaíli, inglês, francês e até o português. Gastronomia e música fazem parte das nossas atividades, principalmente com as crianças”, diz Omana. Mungazi conta com uma estrutura básica para atender os refugiados. Atualmente a ONG está sob a coordenação de Kevin Petench, filho mais velho de Omana.
Na noite de 05/02/2021, após a exibição do documentário, teremos a oportunidade de ouvir Silvana Nuti nos contar suas experiências com a filmagem do documentário e sua relação com os refugiados. Silvana terá oportunidade de nos contar sobre o sofrimento emocional de Omana Kasongo Ngandu Petench que acompanhou e os sérios acontecimentos que culminaram com a sua morte em 2019.
Assista ao Teaser do Documentário A Linguagem do Coração, clique aqui!
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