Parcela do Infinito*

por Érika Araújo Silva, psicóloga e membro filiado da SBPRP

Foto: “Jabuticaba” por Renato de Oliveira, Getty Images. Baixada de banco de imagens Canvas Pro, setembro 2021.

Sim, pensei que ela fosse minha. Cuidando bem chegaria o dia do seu desabrochar. Nunca seria como a primeira, eu sei… Ah, esta também achei que fosse minha e a amei como se ama os primeiros amores da vida! Era capaz de afirmar que toda sua exuberância era esculpida para mim! Sua fartura, sua doçura, tudo pra mim! Sim, sobrava um pouco pros outros, mas era pra mim que ela entregava seu colo e seu seio num deleite sem fim. Era assim que eu a via. Era assim que eu pensava. O tempo parava de contar nas tardes em que passávamos juntas. Nunca vi jaboticabeira mais oferecida! E nem fruto mais saboroso! O quintal da minha vó não fui eu quem deixei, este eu perdi. Minha tia Maria Silvia achou que estava ao seu alcance reparar minha perda, me veio com a segunda, bem pequena ainda. Das coisas que deixei pelo caminho conta minha segunda jaboticabeira, minha lição de transitoriedade! Como Freud, “eu (também eu) não pude me decidir a refutar a transitoriedade universal, nem obter uma exceção para o belo e o perfeito”. Foi triste a coincidência: no mesmo ano em que pude comer pela primeira vez seus frutos, deixei aquela casa, aquela vila, aquele casamento. Na hora do adeus, fiquei olhando para ela até comê-la inteirinha com minhas retinas. “Ah sua danada, você não me escapa mais!” Achei que ela me ofereceria sua sombra, jaboticabas. Ilusão! Fiquei foi com seus frutos imperecíveis e duradouros: sua beleza e a promessa de que frutos haverão! “Valor de transitoriedade é valor de raridade no tempo”!

Referência: Freud, S. A Transitoriedade, 1916

*Este texto é fruto da participação da autora na Oficina de Escrita promovida pela Comissão de Escrita da Diretoria de Publicações e foi coordenada pelo escritor Marcelino Freire em 20 de agosto de 2021.