A sessão Narrativas Psicanalíticas do Blog da Sociedade convida os leitores a alçarem voo nas infinitas bolhas de sabão produzidas pelo sopro da psicanalista Maria Aparecida Gagliote Pelissari, membro efetivo da SBPRP. Bolhas que nos conduzem à infância e à sexualidade, trazendo a beleza da vida e do tempo que estoura quando tentamos segurá-lo com as mãos.
BOLHAS DE SABÃO
por Maria Aparecida G. G. B. Pelissari

Brincar de fazer bolhas de sabão é, entre as brincadeiras infantis, talvez a mais popular e que encanta a todas as gerações. A cada movimento de mão que agita o arco ou o sopro no canudo, instantaneamente, uma sequência de bolhas únicas e de tamanhos variados magicamente se apresenta. Com sua estrutura forte e frágil, ao mesmo tempo, elas flutuam e dançam no ar durante sua efêmera existência. Ao mínimo deslocamento no espaço, observam-se infinitas imagens refletidas na sua película especular. Do deslocamento no espaço, com a incidência da luz e a ação da gravidade, temos e podemos observar o nascer de um calidoscópio natural.
Este interessante fenômeno físico, químico e matemático se tornou lúdico na história da humanidade e já foi cantado, expresso, impresso, desenhado e narrado em verso e prosa pelos poetas, pensadores, filósofos e artistas. Nietzsche escreveu que: “Creio que aqueles que mais entendem de felicidade são as borboletas e as bolhas de sabão. Ver girar essas pequenas almas leves, loucas, graciosas e que se movem é o que, de mim, arrancam lágrimas e canções”.
Alberto Caeiro (Heterônimo de Fernando Pessoa) escreveu:
As bolas de sabão que esta criança
Se entretém a largar de uma palhinha
São translucidamente uma filosofia toda.
Em uma conversa informal com a Dra. Hanna Segal, no decorrer de sua visita à SBPSP, ela comentou que, após os cinquenta anos, não deve haver constrangimento em vestir um biquíni e nadar na piscina da casa do anfitrião, mesmo sendo estrangeira e em visita a outro país. Com esta narrativa, a Dra. Hanna publicou que conhecia o significado da hospitalidade, da liberdade e da maturidade, como também, publicou com tranquilidade, que reconhecia a presença da fragilidade e da efemeridade rotineira do próprio existir, naquele momento, único e efêmero quanto as bolhas de sabão.
A velhice se constitui individualmente e impõe limites, expande territórios e elimina fronteiras. Como em outros períodos de grandes transformações do desenvolvimento humano, neste também, podemos observar as presenças de defesas como: a onipotência, a idealização e a negação, legítimas e necessárias, estas podem ser abrandadas com a manutenção da capacidade de sonhar, de sublimar, da prevalência de humor, da possibilidade de divertir-se. Considerando a natureza fértil e vital da libido, este período pode ser visto como um passaporte a aventuras tão mágicas quanto as várias cenas representadas e refletidas na dança natural das bolhas de sabão. A cada deslocamento, novas e mágicas configurações: um sorriso, um aceno, uma risada, um choro, um soluço, uma gargalhada, um ronco, um dar de ombros, a surdez, a vista embaçada e muitas rabugices.
Em 1995, o dramaturgo, romancista, ensaísta e poeta Ariano Suassuna fez a palestra de abertura do Congresso Brasileiro de Psicanálise em Recife. Ele comentou informalmente que ficava ofendido quando alguém dizia que ele era um velho de espírito jovem. Completou sua fala revelando que tinha feito muito esforço para ser velho, e queria ser reconhecido como um velho, velho! Acrescentou ainda que não ia morrer! Que só se entregaria à morte se ela fosse uma dessas belas mulheres que fazem a alegria dos homens. Assim sendo, podemos observar como a capacidade de humor auxilia a enfrentar os limites impostos pelo biológico.
Este período ansiado, desejado e temido, sempre, surpreende. Após longo empenho e inúmeras experiências vivenciadas no tempo e espaço já percorrido, por vezes, a chegada aos 50 e/ou aos 60 anos de idade se faz revestida de pensamentos míticos. Entre estes temos: a melhor idade, tempo de sabedoria, tempo de aposentadoria, de descansar, de ser inútil, de ser ultrapassado, de ser esquecido, de ter pouca memória. Porém, há uma verdade inevitável que ora torna-se mais próxima: a finitude! Que com ou sem autorização, com toda sua irreverência e intrusão, ei-lá à porta!
Quinodoz, em seu texto sobre segundos de eternidade, escreve que “O segundo de eternidade é um segundo preciso, mas vivido em outra dimensão de tempo que reúne o começo e fim”. Esclarece que muitos idosos não comunicam estas experiências com receio de serem ridículos. Miriam Altman, 2011, em “O envelhecimento à luz da psicanálise” escreve que não há “a velhice”, mas “velhices”. Acrescenta ainda que o mundo contemporâneo, que tem como característica a evolução, transformação e necessidade de brevidade, ainda se prepara para acolher o idoso.
As duas autoras fazem referências à escassez de estudos sobre esta nova população de idosos produtivos e atuantes na nossa sociedade. A falta de informação e conhecimento nas várias áreas das ciências biológicas, sociais, culturais, arquitetônicas nutricionais, entre outras, cooperam para a manutenção de ações inconscientes como a negação e a onipotência frente à impotência gerada pela escassez de conhecimento. A correlação entre aumento da longevidade e adequação da sociedade para acolher e conviver com esta nova geração apresenta uma defasagem. As propostas de adequação e construção de novas teorias, técnicas e recursos gerais (habitação, transporte, saúde e educação) e suas efetivações estão aquém do crescimento real desta população. Com o aumento da longevidade e diminuição da natalidade, nos países desenvolvidos, podemos observar, em suas pirâmides populacionais, que o número de pessoas acima de 65 anos de idade é semelhante ao de crianças e jovens de 0 a 18 anos de idade.
Enquanto a nossa sociedade se prepara para acolher esta nova geração, podemos observar que o nosso pequeno espaço do fazer-se existir está constituído de infinitas e mágicas cenas que retratam momentos, feito bolhas de sabão que hoje existem e amanhã lá não se encontrarão. A efemeridade destas cenas parece ser o único fenômeno que distingue, na paisagem, o jovem do idoso. Segundo Karla Vidal, “As ruas são as passarelas da vida” é ela que oferece espaço para o existir e é nela que jovens e idosos são menos distantes”.
Karla Vidal, 2014, fotógrafa pernambucana elaborou um ensaio intitulado “Vejam Vocês” em que registra o cotidiano de idosos em espaço urbano na França e na Bélgica. Os retratos permitem apreciarmos uma velhice criativa, espontânea, eventualmente com limites, porém simples! Natural!
Clique aqui para ver as fotos do ensaio, matéria do site Catraca Livre.
As cenas retratadas no ensaio “Vejam Vocês” parecem representar alguns dos versos escritos e musicados por Chico Buarque de Holanda na sua sempre bela, “A banda”. O poeta descreve a importância de todo cidadão, indiscriminadamente, ter alteridade para magicamente promover uma fratura no tempo e ver a banda passar. Hão de ter momentos de exercer o ofício de ator/arteiro e/ou observador/contemplador.
Bibliografia Consultada
• Altman, M. “O envelhecimento à luz da psicanálise”. Jornal de Psicanálise 44 (80), 193-296, SP (2011).
• Caeiro, A. Uma Filosofia Toda, in “O Guardador de Rebanhos – Poema XXV”. Heterônimo de Fernando Pessoa.
• Nietzsche, F. Assim falava Zaratustra. Tradução José Mendes de Souza. Versão para eBook. eBooksBrasil.com
• Quinodoz, D. “Envelhecer: o olhar de um psicanalista”. Livro anual de psicanálise (2011), XXV, 185-200.
• Catraca Livre – Art & Design – Ensaio retrata o cotidiano de idosos nas ruas da Europa. Karla Vidal. Redação de 01/09/2014
• Mundo educação, Pirâmide etária. Mundoeducação.bol.uol.com.br/geografia/piramide-etária. htm
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