O que vem à mente quando você pensa em Rap? Jogando na superfície e na generalidade: rimas cheias de gíria, batidas repetitivas, negros ostentando joias com mulheres aos montes e carros de luxo. Violência das periferias e a realidade das ruas: tráfico e criminalidade. O que mais? Convidamos a conhecer o trabalho de um dos artistas mais talentosos e inovadores da atualidade, que representa esse estilo pouco valorizado como expressão artística.

Ao ouvir Kendrick Lamar fui tomado pela perplexidade. O que é isso? Porque demorei tanto para conhecer algo tão bom? Em cada faixa de sua obra, os clichês se desmantelam junto com o nascimento de uma musicalidade poderosa e única, difícil parar de ouvir. Trata-se de um novo idioma, definitivamente algo genuíno porém estranhamente familiar que brota a partir de cada detalhe sutil que nos é apresentado na sua caixa de ferramentas sonora. Nela, encontramos toda a tradição da música negra americana: soul, funk, Jazz, blues, hip hop misturados de modo elegante com pitadas de música eletrônica em camadas de arranjos que vão preenchendo as batidas do rap e o ritmo vocal de Kendrick, que usa a voz como um instrumento de sopro. Sutil, calmo. Visceral, explosivo. Um encantador de serpentes, envolvendo o ouvinte magistralmente. Ouvi-lo com fone de ouvido nos ajuda a descobrir diversas texturas e paisagens desse ecossistema singular.

Suas letras são tão impactantes quanto o som e apresentam uma dinâmica interior e exterior notáveis. Yin e Yang na batida da rima. Um grande contador de histórias. Nascido em Compton, periferia de Los Angeles, berço das gangues e reduto importante do Hip Hop da costa oeste americana, Lamar retrata de modo cristalino o cenário contemporâneo da realidade do negro americano. Essa foi a constatação que o tradicional Pullitzer lhe deu com o prêmio musical em 2017 pelo álbum DAMN, sendo o primeiro artista fora do circuito da música clássica e do jazz a recebê-lo. Na época já tinha conseguido grande admiração do meio artístico pela obra prima To Pimp a Buterffly, disco repleto de músicos renomados da velha e nova guarda com o seu toque de autenticidade. Certamente, um grande cartão de visitas para começar a degustar seu catálogo.

Nesse ano de 2022, com a obra Mr Morale and the Big Steppers, ele aprofunda sua arte trazendo um diálogo explícito da sua alma frente ao que vivencia. O já aclamado artista nos mostra nu de forma corajosa em cada música, falando de pandemia, luto, meditação, terapia, conflito conjugal entre outros. Cru em verso e rima, usa gírias e palavrões, não nega as origens e escancara suas fragilidades. Traz o swing de George Clinton, o G funk de Dr.Dre e Snoop Dog junto com a poesia de Tupac. Em momento algum deixa de apresentar uma face do Kendrick Lamar, com a perspectiva contínua da curiosidade e do espanto. Seus discos parecem ser produtos da sua contínua exploração de si mesmo. Uma grande inspiração e um chamado à construção de uma vida autoral.

E você? O que vem à sua mente quando pensa em psicanálise?

Texto: Alexandre Janssen Pinto (membro filiado da SBPRP)

Ilustração: Victor Malerba (membro filiado da SBPRP)

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