Gravura e arte: Gal Oppido

CENTRO (MÁRIO MARTINEZ/RENAN BARBOSA)

O TEMPO NO UMBIGO DO HOMEM

O HOMEM NO UMBIGO DO TEMPO 

O HOMEM NO CENTRO DO MUNDO

O HOMEM NO MEIO DE TUDO

O HOMEM NO CLARO DO TÚNEL

O HOMEM NO FUNDO DO FUNDO

O TEMPO NO UMBIGO DO HOMEM

O HOMEM NO UMBIGO DO TEMPO 

HUMANO, DEMASIADO INSANO

COGITA E LOGO RESISTE

HUMANO, DEMASIADO INSANO

COGITA E LOGO RESISTE

RUPESTRE O FOGO QUE CONSOME

RUPESTRE O FOGO QUE CONSOME

O TEMPO DA IDEIA NO HOMEM

NO HOMEM A IDEIA DO TEMPO

“Sou um homem comum, qualquer um, enganando entre a dor e o prazer”, e tenho claramente problemas com a passagem do tempo. Não com a inevitabilidade do envelhecer, mas com o dia/vida que nunca são suficientes para realizar tudo que gostaria. A sensação é de que estou sempre devendo à vida, ao tempo. Tudo isso se agrava porque sou, também, um procrastinador. Angustio-me por não saber o que devo buscar ativamente e o que devo deixar por conta do imponderável. Sentar-me para compor, diariamente, como um exercício, ou esperar que a inspiração faça uma súbita visita? Planejar minha rotina e me apegar aos meus traços obsessivo-compulsivos, ou abandonar as preocupações e me abrir às surpresas do acaso?  

Também me causa espanto que, por mais que os séculos se sucedam, os homens continuem presos às mesmas vicissitudes (maravilhosas umas e mesquinhas outras): sexo, poder, comida, ganância, neuroses, guerras e competições, a busca do amor, o confronto com a inevitabilidade da morte… 

É como se ainda carregássemos dentro do nosso mundo interno o homem das cavernas, correndo atrás do fogo, num eterno retorno das mesmas questões primitivas, paixões e neuroses. “Cogita e logo resiste”:  o homem que procrastina, que titubeia, que duvida de si e do outro, que foge, que renuncia aos seus sonhos e desejos, por medo.  

O umbigo se me afigura o centro de todas essas questões: o homem com uma vida que não sabe por que foi lhe dada nem o que fazer com ela, julgando-se o ser mais importante do planeta, mas destruindo, sem piedade, seu habitat; a imensidão do universo, no qual a vida humana representa tão ínfima parcela. 

A metáfora do “umbigo”, numa canção em que nossas disposições ancestrais são mencionadas, me veio também pela letra de “José”, de Caetano Veloso (meu artista preferido e o que mais me influencia): “estou no fundo do poço/meu grito lixa o céu seco”; (…)” o poço é escuro/ mas o Egito resplandece, no meu umbigo, e o sinal que vejo é esse” …

Sou particularmente fã de um texto de Freud, “A significação antitética das palavras primitivas” (1910), no qual, discorrendo sobre um artigo do filólogo Karl Abreu, ele chama a atenção para a possibilidade de uma palavra conter em si mesma o seu oposto, e nos remete a uma outra época, na aurora da linguagem humana, em que um mesmo “ideograma” ou vocábulo representava estados opostos, como claro/escuro, dia/noite. E de como o inconsciente usa esse artifício para reunir opostos num mesmo símbolo, principalmente na construção dos sonhos. A combinação de contrários operando como substrato da linguagem e dos fenômenos psíquicos.  

Foram essas, basicamente, as imagens que me ocorreram quando criei a letra da canção “Centro”. A melodia foi composta por Mário Martinez, músico, professor e poeta, com quem tenho uma profícua parceria musical e de amizade, há mais de 25 anos. Nessa canção encontra-se o verso “Humano, demasiado insano”, que dá título ao último EP que lancei.

Por “insano” leia-se esses tempos estranhos que atravessamos, de fanáticos, mitos, ódios, fake news, pós-verdades e terraplanismos. Mas, se pensarmos que a escuridão contém a luz, talvez possamos nutrir a esperança. E é a ela que me dirijo em minha caminhada.