Em Novembro de 2016, nosso colega Luiz Celso Castro de Toledo, membro filiado, colaborador do blog e responsável por esta seção de Entrevistas, conversou com o analista didata da SBPRJ, Aloysio D’abreu.

Aloysio presidiu a FEBRAPSI e atuou na FEPAL, adquirindo uma vivência institucional rica e variada. Além da experiência clínica, Aloysio é um analista cosmopolita, atento às transformações da psicanálise no Brasil e no mundo.

Nessa entrevista, ele nos contou sobre como surgiu seu interesse pela psicanálise, por Kohut e sobre suas impressões a respeito do futuro da profissão. Também conversamos a respeito da análise didática e do setting, focos de dois de seus artigos mais conhecidos.

Esperamos que os leitores do blog possam aproveitar o fruto dessa prazerosa conversa.

LUIZ TOLEDO: Como foi a sua formação, o seu percurso profissional? Como chegou à Psicanálise?

ALOYSIO D’ABREU: Fui colega na Faculdade de Medicina de Luiz Antônio Bocchino de Toledo e nos tornamos grande amigos. Toledo viera para o Rio de Janeiro, não só para fazer o curso de medicina, mas objetivando, também, a formação psicanalítica. Naquela época, além de cursar a faculdade de medicina, eu concluía o curso de fisioterapia. Observava, ao atender pacientes em meu estágio na Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação (ABBR), a importância das dificuldades emocionais daqueles pacientes. Tive então a oportunidade de conhecer o pai de Toledo, conhecido psiquiatra de Ribeirão Preto. Em conversas com ele, fui tomando conhecimento da psicanálise e dos caminhos que deveria seguir para me tornar psicanalista. Passei a acompanhar suas orientações e seguir os passos do Luiz, culminando com o nosso ingresso, na mesma turma, no Curso de Formação Psicanalítica da S.B.P.R.J. Assim, cheguei à psicanálise, e continuo nela.

LUIZ: De uma forma diversa do que ocorre em Ribeirão Preto ou São Paulo, o Rio de Janeiro é uma cidade que comporta Sociedades diferentes filiadas à IPA. O que você pensa a respeito dessa diversidade? Que efeitos ela teve sobre a prática analítica no Rio?

ALOYSIO: As divisões das Sociedades Psicanalíticas no Rio de Janeiro estão mais ligadas a questões políticas do que científicas. Um grupo de médicos, no Rio de Janeiro, conseguiu junto ao então presidente da IPA, Ernest Jones, a vinda para o Rio de um primeiro psicanalista, pouco tempo depois outro psicanalista chegou ao Rio, possibilitando que os analisandos de um fizessem supervisão com o outro. Algum tempo depois houve uma ruptura no relacionamento desses dois analistas, resultando na formação de duas sociedades de psicanálise. Posteriormente, devido a divergências políticas, estas sociedades se dividiram, formando-se quatro Sociedades. Atualmente duas sociedades se fundiram e temos três sociedades no Rio de Janeiro. Não saberia dizer se essa divisão foi positiva ou negativa. Como as Sociedades são ligadas à IPA, não existem diferenças marcantes na prática analítica. A vantagem é termos, na mesma cidade, atividades científicas em três Sociedades. Como o relacionamento entre os membros é bastante amigável, temos a oportunidade de optar pela participação em diferentes instituições.

LUIZ: Você é um estudioso da Psicologia do Self de Heinz Kohut, estive lendo a respeito de uma mesa redonda da qual você participou, que se debatia o trabalho dele. O que, em sua opinião, Kohut tem a dizer a respeito da clínica nos tempos que estamos vivendo?

ALOYSIO: Primeiramente, quero esclarecer que não sou um Kohutiano. Se quiserem me rotular, digam que sou um “Aloysiano”. Não creio que Klein, Bion, Rosenfeld, Lacan, Kohut e muitos outros devam ser desprezados em suas contribuições para a psicanálise. Prefiro trabalhar sem ter – consciente – qualquer teoria, mas sabendo que todas devem estar presentes.

Interessei-me muito  nos Trabalhos de Kohut e seus seguidores. Este autor tem enfoques interessantes, como: “a falta precedendo o conflito”, a “observação empática”, as “funções self-objeto”, etc… Creio não caber aqui detalhar cada um desses itens, mas, inegavelmente, eles influenciaram muito o meu trabalho analítico. Permitiram que me ativesse mais às carências afetivas, deixando a compreensão dos conflitos em um segundo plano, evidentemente sem abandoná-los. A observação empática permite detectar as paradas no desenvolvimento emocional em decorrência de falhas de self-objetos. Muitas outras aquisições me foram úteis, mas somente um curso sobre as ideias de Kohut poderão deixar mais claras estas aquisições.

LUIZ: Há um belo artigo que você publicou sobre a análise didática na Revista Brasileira em 2007. Em linhas gerais, o que você pensa atualmente sobre o tema?

ALOYSIO: Alguns colegas que leram este artigo comentaram que eu defendia a análise didática, outro que eu era contra. Acho que ambos têm razão. Não tenho clareza sobre a validade da existência ou não de analistas ditadas. Evidentemente, o ideal é que um candidato à analista faça uma análise bastante boa, e supõe-se que um analista com mais tempo de prática, mais experiente, possa ser mais capaz de conduzir uma análise satisfatória. A análise é fundamental para a formação de um psicanalista. Outro aspecto sobre esta questão são as distorções, como criação de uma casta dentro das Sociedades, como maior poder, sendo intitulados melhores do que os outros. O que não é uma verdade. A análise é uma relação a dois, bastante específica. Não creio em um bom analista, penso sim em uma boa dupla. Em muitas ocasiões, um paciente com pretensões a ser candidato, encontra-se em análise com um analista que ainda não é credenciado como didata. Mesmo que essa análise seja bastante satisfatória, e tendo sido estabelecidos bons vínculos transferências, ele terá que trocar seu analista por um didata. Não creio que esta seja uma boa prática.

Outra questão que pode ser levantada diz respeito à reserva de mercado, em que os didatas teriam uma fonte segura de pacientes. Atualmente, com a menor procura de candidatos à formação analítica, estes encaminhamentos não são tão numerosos como antes. Enfim: a função didática é uma questão em aberto.

LUIZ: Há um trabalho seu a respeito do setting analítico, no qual Winnicott foi uma referência central, sobre as constâncias e rupturas do setting. Fiquei com vontade de ouvi-lo mais a respeito do tema. Como você trabalha e entende o setting analítico na clínica contemporânea?

ALOYSIO: Havíamos aprendido que o analista deveria ser um quadro em branco sobre o qual o paciente deveria fazer suas projeções. Esta posição do analista mostrou-se absolutamente falsa, penso ter sido uma negação da existência de um inconsciente no analista, com seus conflitos, questões não resolvidas, enfim, sua subjetividade. Queiramos ou não, os pacientes captam aspectos nossos, os quais, muitas vezes, nos são inconscientes. O setting deve ser maleável, adaptado a cada paciente. Esta adaptação é uma das maiores qualidades de um psicanalista, pois seus sentimentos e experiências serão colocados à prova. A rigidez do setting serve mais a insegurança do analista do que ao desenvolvimento de uma boa análise. Os perigos de pensarmos o setting como algo maleável e adaptável a cada paciente é cairmos em armadilhas que levam a desvirtuamentos e até mesmo a relações perversas.

LUIZ: Após presidir a FEBRAPSI, como vê o estado da Psicanálise no país? Como vê o futuro da nossa área?

ALOYSIO: Estamos em um momento de transição em que várias mudanças ou adaptações estão sendo necessárias frente à contemporaneidade. Quando iniciei em psicanálise, o Rio de Janeiro tinha duas sociedades filiadas à IPA e umas duas ou três não filiadas. Atualmente temos mais de vinte instituições psicanalíticas no Rio de Janeiro. Não se falava em terapia comportamental, atualmente é a primeira indicação nos serviços de psiquiatria, o que é compreensível, pois seus resultados são mais imediatos. O “homem contemporâneo” não pode perder tempo, tudo tem que ser para ontem. A mobilidade urbana é outra questão que não deve ser desprezada. Cidades como o Rio e São Paulo, em que os deslocamentos de um bairro a outro não muito distantes, podem demorar mais de uma hora, não permitem a ida quase que diária até o local da análise.

Há um grande equívoco, no meu ponto de vista, em se procurar superar estes problemas através de facilitações que permitam um maior acesso de candidatos à formação analítica. Analistas e candidatos, de um modo geral, queixam-se da diminuição de pacientes que procuram a análise. Pergunto: Se há uma diminuição da procura, como aumentar a oferta? O caminho a ser seguido deveria ser a melhora da qualidade e não da oferta. Devemos rever nossos processos de avaliação e ensino, melhor capacitando estes profissionais, que serão os responsáveis pela sobrevivência da psicanálise.

LUIZ: O que, em sua opinião, explica o declínio e o florescimento da Psicanálise em diferentes regiões do mundo?

ALOYSIO: Há um declínio da procura da psicanálise principalmente na Europa e Estados Unidos. Em contrapartida, a América Latina tem mostrado crescimento em várias regiões, principalmente naquelas cidades onde a presença de psicanalistas é recente. Será que nesses locais a ausência de psicanalistas criou uma demanda reprimida, levando a essa maior procura? A procura pela psicanálise tem diminuído principalmente nos grandes centros, onde proliferam várias instituições psicanalíticas não ligadas à IPA, além do surgimento de um grande número de alternativas psicoterápicas. Não seria este outro motivo? São hipóteses, pois desconheço um estudo sério sobre este fenômeno.

LUIZ: Você é um analista que se dispõe a conversar com a imprensa e a escrever artigos para o grande público. O que pode nos contar sobre essas experiências?

ALOYSIO: Uma Assessoria de Comunicação é muito importante para as Sociedades, permitindo que psicanalistas possam ter acesso aos órgãos de imprensa. Esta é uma oportunidade para a divulgação da psicanálise. Os psicanalistas, durante muitos anos, se encastelaram em suas torres de marfim, na ilusão de uma autossuficiência. Penso que este encastelamento tem sido – também – um dos responsáveis pela menor procura pela psicanálise. Meu contato com a imprensa foi bastante positivo e também, principalmente, uma fonte de aprendizagem. Aprendi que é importante que tenhamos algum conhecimento sobre como nos conduzir em entrevistas, e principalmente, saber que uma divulgação não é feita por meio de apresentações esporádicas. É a frequência de uma informação que permitirá que ela se faça presente para o público.

por Sr. Luiz Celso Castro de Toledo, membro filiado da SBPRP