Imagens: pinterest (1 e 2)

Época poderosa, a infância!
Oficialmente não se podia fazer muita coisa.
Mas o oficial, acho que nem existia de fato.
Só o extra-oficial interessava.
A gravidade, por exemplo, lei muito séria, da maior gravidade…
Uma das primeiras, que com mertiolate aprendemos.
Nem ela me impedia de subir as paredes daquela casa de tijolo à vista.
Cheguei a contar que sabia voar.
Meu pai, o incrédulo, não acreditou.
Foi surpreendente que meu voo não funcionou na frente dele!
De Oficial tinha o tal Floriano Peixoto 12-75.
Impressionante como ainda lembro disso!
Acho que foi a primeira coisa que decorei.
Isso e o telefone de meu avô.
Saber o endereço da minha primeira casa em Bauru e esse telefone,
funcionava como uma espécie de talismã para minha mãe.
Servia para todos os tipos de infortúnios.
Me perder, me roubarem, sequestro,
até para caso de morte, se eu fosse morrer,
tinha que saber dizer essas duas informações…
O que é sequestro?
Sei que de 224729 não esqueço mais.

De lá, passei a ser um “Voluntários da Pátria”.
Rua da minha nova casa, enorme.
Era alugada, não era “nossa”, mas era enorme.
Dois quintais enormes!
Goiabeira para subir, jabuticaba para chupar e manga para atirar no irmão.
Uma delícia!
Tinha também um cachorrão branco,
mas para esse eu precisaria de um livro inteiro.
Três edículas ao fundo.
Como não sabia o que era isso, viraram meus laboratórios.
Se havia uma profissão que me cabia certinho era cientista.
Um iluminista, com interesse pelos ramos da física, química, experimentos com insetos, etc.
Mas o que teve mais repercussão na família foram os experimentos com eletricidade.
O nome do que eu queimei era disjuntor.
Um negocinho na parede que deixa o pai muito puto.
Já para a vizinhança, o que incomodava mais eram os experimentos com explosivos e detonações.
Tinha também aquela bola de capotão que não deixava ninguém a salvo.

Amigos da escola, amigos da rua, amigos do clube.
Achava que seria sempre assim.
Ping-pong, futebol, tênis, bicicleta..
Eu não precisava de mais nada.
De pai e mãe que não me lembro muito.
Corrigindo, lembro sim.
Mas até na lembrança estão trabalhando.
Não estão lá no quintal comigo.
Ou será que estavam lá, mas de cima da goiabeira eu que não enxergava?

por Daniel Rodrigues de Freitas, membro filiado do Instituto de Psicanálise (SBPRP)
*poema criado na Oficina Literária coordenada por Marcelino Freire