O Cinema e Psicanálise de Franca apresentou A Garota Dinamarquesa (2016) neste último sábado, dia 11, com considerações de Josimara Magro Fernandez de Souza e Guiomar Papa de Morais, membros efetivos da SBPRP.

Imagem: Carolina Rodrigues

Fátima Cassis, coordenadora do projeto e membro associado da SBPRP, comentou o filme:

Como começar a falar sobre algo complexo, tema de nossa primeira apresentação, como a (des)construção da identidade de uma pessoa, tendo em conta que é alguém que sente que está em um “corpo errado”? Encontro-me nesta difícil tarefa agora. Como será esta angústia? Que drama é este, apresentado através das lentes do diretor Tom Hooper em seu filme “A Garota Dinamarquesa”, baseado em fatos reais, sobre a vida de Lili Elbe, nome adotado por Einar Wegener, o primeiro transexual a tentar uma operação de mudança de sexo?

São os anos 20, e Einar Wegener é um pintor famoso, casado com Gerda, retratista. Certo dia, Gerda pede a seu marido para posar de modelo. O roçar dos tecidos femininos e sua delicadeza desperta em Einer a mulher Lili que pacientemente esperara dentro de si, reprimida, para ganhar vida.

Tom Hooper, o diretor, trabalha com muita delicadeza e respeito no nascimento deste novo ser em Einer, deixando-a nascer devagarinho, mas ganhando força e nossa compaixão a medida que a história se desenvolve. Este nascimento é impactante à relação do casal, e não sem dor, Gerda luta para aceitar Lili, e esta aceitar a si mesma.

A questão da sexualidade humana sempre foi e está presente em tudo o que vivemos. Freud, em 1905, escreveu o famoso “Três ensaios sobre a sexualidade”, chocando a sociedade vitoriana da época, quando disse que“exaltamos a felicidade da infância, porque ainda não conhecemos seu apetite sexual”.

Na época em que Freud viveu, o sofrimento psíquico era visto como consequência da repressão sexual que vigorava na sociedade, a chamada histeria, cujos sintomas neuróticos eram tidos por Freud como a atividade sexual do paciente. De lá para cá, muita coisa mudou na cultura, nas ciências, e também a qualidade do sofrimento psíquico humano.

Até há pouco tempo, ainda não havia nome para o que hoje chamamos “pessoas em não conformidade com o gênero”. Estão crescendo crianças em escolas, que passaram a questionar o próprio gênero, assim como está em curso uma discussão com concepções ainda fluidas quanto ao que significa ser mulher ou homem ou qual é a definição de transgênero (termo usado para descrever pessoa cuja identidade de gênero não corresponde ao sexo biológico), cisgênero (a identidade de gênero coincide com o sexo biológico), fluidez de gênero (condição de alguém cuja identidade ou expressão de gênero varia no espectro entre homem/masculino e mulher/feminino), ou agênero (pessoa que assume não ter identidade de gênero), ou outros 50 termos que pipocam na cultura e em discussões científicas. Penso que toda esta classificação é uma tentativa de se sentir reconhecido, cada um em sua experiência, já que vivemos tempos onde a qualidade do sofrimento psíquico tem a ver com sentimentos de vazio, de se sentir vivo ou morto, de se sentir inteiro ou espalhado em pedaços.

Como podemos pensar estas e outras complexas questões sob o vértice psicanalítico?