O Cinema e Psicanálise de Franca apresentou Mentiras Sinceras neste último sábado, dia 13, com considerações de Débora Mellem, membro filiado da SBPRP.

Imagem: Carolina Rodrigues

Segue comentário de Débora sobre o filme:

Mentiras Sinceras é um filme inglês, com direção de Julian Fellowes e atuações tocantes de Emily Watson (no filme, Anne) e Tom Wilkinson (James), cujos personagens formam o casal, foco do drama narrado. O enredo correlaciona a investigação de um atropelamento numa cidade nos arredores de Londres, com a revelação da traição conjugal, que invade a aparente harmonia deste casal, sendo desagregadora, gerando enorme turbulência emocional em suas vidas. As mentiras e os atropelos que ocorrem no casamento de Anne e James vão emergindo, quebrando-se a ilusão de que formavam uma união perfeita. Vamos mergulhando na intimidade do casal, suas insatisfações, culpas e na dor do rompimento do laço amoroso que existia entre Anne e James.

De uma forma realista e com diálogos profundos e sinceros, o filme aborda um tema delicado que sensibiliza a todos nós. Afinal, quem nunca viveu os riscos e as dores de amar? É difícil imaginar alguém que não tenha vivenciado, de alguma maneira, um triangulo amoroso. E por mais que se tente negar a impermanência dos relacionamentos afetivos, as separações conjugais estão cada vez mais frequentes.

No filme, Anne envolve-se com o descomprometido Bill (Rupert Everett), mas como fica confusa e ambivalente, é bem descuidada, provocando um grande ferimento na alma de James, o qual acreditava que era feliz no casamento. A atmosfera de angústia aumenta no decorrer do drama, pois acompanhamos a reconciliação dos dois, seguida por uma nova separação. Contudo, a estória é esperançosa, pois prevalece a sinceridade e a busca de um modo mais verdadeiro de se viver. James, com sua condição de sentir a dor psíquica e seu luto pelo casamento desfeito, nos aponta um caminho não trágico e mais natural de vivenciar a complexidade dos vínculos amorosos, o inusitado e os mistérios da vida.

O filme é baseado num romance de 1951, A way through the wood (Nigel Balchin) e traz marcas do modo de vida desta época, apresentando o modelo de um casal monogâmico, que tem a fidelidade como um ideal a ser seguido. Mas nos permite discutir sobre as mudanças que estão ocorrendo nos relacionamentos a dois em nossa sociedade atual. Surgem algumas indagações: esse modelo do casal monogâmico estaria em extinção nos dias de hoje?

É possível cultivar a fidelidade numa época com tantas facilidades de contatos entre pessoas, (através das redes sociais: whattsapp, facebook, messenger) e numa cultura marcada pela pressão da satisfação imediata de necessidades e desejos?

Mesmo dentre aqueles casais que pretendem constituir uma família monogâmica, observamos simulacros, que ocultam a experiência da cada cônjuge com outros parceiros. Nestas situações tão comuns, o senso de verdade e a integração da personalidade não são ideais a serem alcançados. As pessoas têm vida dupla, tripla e não combinam os laços de amor e o erotismo na escolha de um mesmo objeto, que é um referencial de saúde psíquica, que Freud já abordava.

Outra observação que me preocupa é que os vínculos amorosos estão sendo solapados pelas tendências à sexualização e pelo narcisismo destrutivo, que leva o indivíduo a não considerar o outro, a não se preocupar se está lesando as pessoas.