De dentro para dentro

 por Daniel Rodrigues de Freitas, membro filiado SBPRP

A necessidade é a mãe de todas as coisas, já dizia o outro. Estudá-lo, esquecê-lo, matá-lo, cultuá-lo, odiá-lo, ignorá-lo, reverenciá-lo, enfim, cada um de nós, em algum nível, já apresentou, apresenta, e ainda vai apresentar, uma ou mais dessas necessidades com relação a ele. Aliás, sabemos levar em conta a existência de “níveis” de necessidade, muito graças a ele. Frente a esse tal Dr Sigmund Freud, nossas necessidades não passam ilesas, ou melhor, se passarem ilesas é por algum motivo! Eu por exemplo, para escrever essas linhas, senti necessidade de revisitar conjugações de futuro do pretérito e futuro do presente. Freud me remete a esse lugar do passado-futuro, presente-futuro. Ele é passado? Presente? Futuro? Ninguém fica incólume! Em 1995 a Dra Thaís Marques foi mordida por uma necessidade. O resultado podemos apreciar aqui! E está olhando para dentro de nós!

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Homenagem a Freud

por Thaís Helena Thomé Marques, membro efetivo com funções didáticas da SBPRP

Conceber visualmente um ser humano é semelhante a criar uma biografia pintada. Sobre esta imagem de Freud, não sei ao certo de quem é a biografia, caso assim possa ser considerada. Pode ser a dele, da psicanálise ou de mim mesma, pois há momentos, como aquele no qual eu me encontrava quando eu a fiz em que as fronteiras que nos separam se tornam tão permeáveis que já não discriminamos espontaneamente quem somos.

O momento de minha passagem pelo processo de seleção para formação psicanalítica no Instituto da SBPRP culminou com a fundação da Sociedade e provavelmente com a compra dos terrenos para a construção da nova sede, a que hoje nos abriga. Tudo estava nascendo ao mesmo tempo, inclusive eu que, na ocasião, encontrava-me completamente envolvida com a Psicanálise.

Pintava incessantemente e lia incansavelmente a entrevista “O valor da vida” que Freud concedeu em 1926 a George Sylvester Viereck. Sentia-me essencialmente conectada com ambas as experiências, em especial à última colocação de Freud quando Viereck lhe disse que ficava contente ao perceber que ele, Freud, irado e indignado também tinha seus complexos e que isso demonstrava que ele era um mortal. “Nossos complexos”, disse Freud, “são a fonte de nossa fraqueza; mas com frequência são também a fonte de nossa força“.

A um só tempo escrevi minha autobiografia e pintei três retratos – Freud, Klein e Bion – que denomino trigêmeos, justamente, porque tanto foram concebidos como nasceram juntos. Como haviam três cavaletes em meu ateliê, eu trabalhava alternadamente nos retratos, sem me deter por mais tempo em um apenas.

Fiz isto com um misto de ansiedade, medo, distração e todos os meus complexos, como disse Freud, que me permitiram trabalhar sem pensar conscientemente ou desejar entender o que eu estava fazendo. No entanto, pela minha experiência, posso dizer que, se pensasse, não o faria e penso que apenas fui movida por essas dores que me estimularam a criar desde sempre. Freud tinha razão quanto à fonte de nossa força!

Somente quando as imagens estavam, para mim, prontas para serem interrompidas, foi possível perceber que estive me aventurando e ensaiando alguma ideia sobre a história da Psicanálise e da minha própria história com ela, que nascia efetiva e afetivamente.

Me cabe, por hora, interpretar, sumariamente e ao meu modo, a imagem de Freud, com quem experimentei minha apropriada transferência psicanalítica, depois de tê-la experienciado de modo profícuo com José Américo Junqueira de Mattos.

Dos pincéis que captavam as cores da palheta, nasceu uma imagem, quase a história de um homem austero que lutava, entre tantas coisas, para que suas ideias fossem, pelo menos, consideradas. Lutava em defesa da análise leiga, para que ela pudesse ser praticada por quem tivesse a capacidade de autoanálise. Acreditava que a psicanálise poderia mudar, tanto quanto a vida muda.

O brilho do seu olhar me diz, eu entendo assim e isto basta para mim. Não me importa nenhum som, as palavras não são necessárias, basta um dom. Apenas seu olhar lúcido brilhante me atrai.