No último sábado, dia 15, o C&P de Franca apresentou “Elle”. Leia abaixo o comentário de Mônica Bitar Santamarina Araújo sobre o filme:
O filme Elle, do francês Paul Verhoeven, produzido em 2016, é obra polêmica. Um dos motivos é o fato de ele se atrever a abordar algo tão grotesco, como o estupro, por vários ângulos. O diretor não esconde o ato. O espectador já começa o filme sabendo que o estupro vai acontecer, mas o cineasta vai construindo outras tramas da personagem principal, ao longo da narrativa. Assim, assistir ao filme Elle é se dispor a viver diferentes emoções.
“Ela” é Michele Leblanc, interpretada magnificamente por Isabelle Huppert, uma mulher de personalidade complexa, peculiar, que já havia vivido, na sua infância, outras violências sérias, o que vai sendo mostrado ao longo da história, a tal ponto que o estupro em si fica ressignificado. Ele volta a ser abordado para apresentar tanto o lado sombrio de Michele como o do próprio estuprador. O autor se arrisca a desnudar aspectos obscuros e até perversos do ser humano.
O filme começa com o olho do gato, aquele olho lindo, fixo e paralisado. Em um momento do filme ela fala para ele: “Por que você ficou aí parado, poderia ao menos tê-lo arranhado”. Outros olhares fixos e vazios aparecem no filme: o do pai de Michele e o da própria Michele, na infância, aos 10 anos, paralisada e aterrorizada com o que estava vendo. Esse olhar vazio ficou dentro de Michelle, ao longo de sua vida. A protagonista, uma pessoa que conquistou tantas coisas, demonstra ser desvitalizada, vazia de relações, daquelas que de fato fazem sentido.
Desde o início, a maneira como Michele lida com a violência nos chama a atenção; ela enfrenta a situação de uma forma prática, quase asséptica. As primeiras providências, após o estupro, é varrer a sujeira e depois tomar banho. Quando está sendo violentada, luta, tenta se livrar, mas depois nos dá a impressão de que quer limpar, apagar os sinais do que havia vivido. Até no encontro com os amigos relata tudo de uma maneira distante, objetiva, e termina pedindo um vinho como se fosse: “Vamos para frente”, “A conversa acabou”.
Assim, o filme vai apresentando as nuances da personalidade de Michele em várias relações de sua vida: no trabalho, nas amizades, com o filho, com o ex-marido, com os pais e com o estuprador. Em todas essas relações, vamos percebendo um aspecto de cisão, desvitalização, manipulação, conluios e perversão das relações que caracterizam sua existência. O diretor vai nos mostrando como a personagem principal lida com restrições na sua vida, com as relações humanas, principalmente em se tratando das emoções e dos afetos. Um dos pontos centrais é como “ela” vai se relacionar com Patrick, o homem que a violentou, em cuja trama a personalidade dos dois vai se juntar.
É fundamental destacar também que Michele é dona de uma empresa de games e essa empresa está desenvolvendo um jogo erótico e violento. Não me parece gratuito o fato de que o diretor coloca a protagonista para ser dona desta loja de games, porque, ali nos jogos, os humanos personagens são coisas, são manipuláveis, além de a mocinha ter sido atacada por um monstro.
O diretor vai desenvolvendo o filme dentro desse cenário, com tramas em que as relações vão se complexando. O final é surpreendente, vale à pena conferir!
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