por Luiz Celso Castro de Toledo, membro filiado da SBPRP

Imagem: Pixabay

Converso com um amigo, pai de vestibulando, sobre as dificuldades de prestar os exames para as Universidades do Estado. Há alguns anos o filho desse amigo vem batalhando por uma vaga em um curso concorrido, sem sucesso. Algo, que o jovem não sabe exatamente como definir, ocorre nos dias de prova e o desestrutura. “Não entendo, ele é um ótimo aluno e esse é só mais um exame. Se eu puder convencê-lo disso vai ficar mais fácil, não é?”

Pois é, não vai. Essa é uma prova diferente mesmo, uma ocasião muito especial.

Há pessoas que desenvolvem gastrites e úlceras no ano do vestibular, outras sofrem com dificuldades para dormir ou crises de ansiedade. Há também aqueles que brigam com a família toda ou com os parceiros amorosos às vésperas do exame. Os sintomas variam, mas é raro encontrar quem consiga passar ileso. Por quê?

Em um exame como o da Fuvest, cujas inscrições terminaram na última sexta-feira, 137 mil candidatos disputam, ombro a ombro, pouco mais de 11 mil vagas. Ou seja, é uma questão matemática (desalentadora), 126 mil candidatos serão reprovados[1]. O cenário não é muito diferente nos vestibulares de outras Universidades. Faço uma ressalva: não é difícil passar no vestibular, pelo contrário, existem faculdades nas quais a seleção de alunos é mera formalidade, basta inscrever-se e comparecer no dia da prova, há vagas em profusão. O difícil é ingressar nos cursos concorridos das melhores Universidades. Essas, além de serem poucas, são exigentes ao escolher alunos. Algumas, exageradamente. Mas esse não é o assunto de hoje.

Por outro lado, e é aqui que a questão se amplia, o vestibular não é apenas uma avaliação de capacidades acadêmicas. Ele significa muito mais.

O vestibular pode ser o passaporte para a saída da casa dos pais. “Sim, e isso não é algo desejável?”. Sim, e também é perturbador. Um jovem pode contar aos amigos que adoraria deixar a casa da família para ter mais liberdade e, enfim, curtir a vida adulta. A questão é saber se ele tem (ou sente que tem) condições para sustentar essa autonomia. Não me refiro apenas ao aspecto financeiro, que é importante, mas a dar conta dos momentos de solidão, das dificuldades do curso, de se locomover sozinho pela cidade, de conviver com pessoas que tenham origens sociais e culturais diferentes, etc. Sonhar com liberdade e autossuficiência (geralmente idealizadas) é muito diferente de responsabilizar-se efetivamente por elas. Diante da proximidade da vida adulta, a onipotência – “pode deixar comigo, dou conta de tudo sozinho” – se esfarela.

Outra questão é lidar com as perdas. Não importa se a decisão será por Engenharia ou Arquitetura, o fato é que, ao definir um rumo, não será possível seguir por outro. No mínimo, será necessário adiar paixões.

Uma forma comum de driblar a angústia é negar que as escolhas sejam excludentes. “Posso fazer Administração agora, depois estudarei Gastronomia e, se não gostar, prestarei Engenharia Aeronáutica com pós em Computação”. A fantasia de que a gente possa viver sem limites, como dizia aquela propaganda sedutora, é perigosa. Mesmo sofrida, a reprovação recorrente pode servir para adiar outra dor: a de abrir mão das nossas fantasias infantis (das quais ainda gostamos). Permanecendo indefinidamente no cursinho, todos os caminhos continuam abertos. Em suma, o amadurecimento passa pela castração. Só vive intensamente uma formação universitária quem se dispõe a deixar de lado, ao menos por um tempo, outros destinos possíveis.

Escolher um caminho também implica em posicionar-se em relação à família, tanto a real quanto aquela que habita o nosso mundo interno. Ao escolher uma faculdade, o jovem transmite uma mensagem aos pais, de modo silencioso ou explícito. Sua decisão pode ser, por exemplo, uma tentativa de curar a ferida narcísica paterna.

“Como assim?”

Uma moça opta por estudar Medicina sonhando em tornar-se a cirurgiã que o pai desejou, mas não teve condições ou a coragem de tentar ser.

Ou, ao invés de tentar lidar com feridas, a preferência pode ser por interpretar os pais, mesmo que o jovem não se dê conta disso.

Por exemplo, um rapaz inscreve-se para Economia, sentindo-se orgulhoso por (aparentemente) aborrecer a mãe, que vive amaldiçoando os bancos e os especuladores da Bolsa de Valores. O curioso é que o desprezo dessa senhora pode ser uma fachada. Sob um fino verniz de desdém, parece haver um encantamento mal disfarçado com o glamour dos(as) executivos(as) de bancos. Nesse caso, a escolha do filho seria uma interpretação do desejo materno.

Por tudo isso e por muitos outros aspectos, não é de se espantar que o vestibular provoque turbulências e paralisias.

Minimizá-lo – ”é só mais uma prova, nada de novo” – não fará com que as dificuldades desapareçam, pelo contrário.

Conversar costuma ser mais útil.

[1] Os números são do vestibular passado. A Fuvest ainda não havia divulgado os números desse ano até o fechamento desse artigo.