por Luiz Celso Castro de Toledo, membro filiado da SBPRP

Converso com um amigo, pai de vestibulando, sobre as dificuldades de prestar os exames para as Universidades do Estado. Há alguns anos o filho desse amigo vem batalhando por uma vaga em um curso concorrido, sem sucesso. Algo, que o jovem não sabe exatamente como definir, ocorre nos dias de prova e o desestrutura. “Não entendo, ele é um ótimo aluno e esse é só mais um exame. Se eu puder convencê-lo disso vai ficar mais fácil, não é?”
Pois é, não vai. Essa é uma prova diferente mesmo, uma ocasião muito especial.
Há pessoas que desenvolvem gastrites e úlceras no ano do vestibular, outras sofrem com dificuldades para dormir ou crises de ansiedade. Há também aqueles que brigam com a família toda ou com os parceiros amorosos às vésperas do exame. Os sintomas variam, mas é raro encontrar quem consiga passar ileso. Por quê?
Em um exame como o da Fuvest, cujas inscrições terminaram na última sexta-feira, 137 mil candidatos disputam, ombro a ombro, pouco mais de 11 mil vagas. Ou seja, é uma questão matemática (desalentadora), 126 mil candidatos serão reprovados[1]. O cenário não é muito diferente nos vestibulares de outras Universidades. Faço uma ressalva: não é difícil passar no vestibular, pelo contrário, existem faculdades nas quais a seleção de alunos é mera formalidade, basta inscrever-se e comparecer no dia da prova, há vagas em profusão. O difícil é ingressar nos cursos concorridos das melhores Universidades. Essas, além de serem poucas, são exigentes ao escolher alunos. Algumas, exageradamente. Mas esse não é o assunto de hoje.
Por outro lado, e é aqui que a questão se amplia, o vestibular não é apenas uma avaliação de capacidades acadêmicas. Ele significa muito mais.
O vestibular pode ser o passaporte para a saída da casa dos pais. “Sim, e isso não é algo desejável?”. Sim, e também é perturbador. Um jovem pode contar aos amigos que adoraria deixar a casa da família para ter mais liberdade e, enfim, curtir a vida adulta. A questão é saber se ele tem (ou sente que tem) condições para sustentar essa autonomia. Não me refiro apenas ao aspecto financeiro, que é importante, mas a dar conta dos momentos de solidão, das dificuldades do curso, de se locomover sozinho pela cidade, de conviver com pessoas que tenham origens sociais e culturais diferentes, etc. Sonhar com liberdade e autossuficiência (geralmente idealizadas) é muito diferente de responsabilizar-se efetivamente por elas. Diante da proximidade da vida adulta, a onipotência – “pode deixar comigo, dou conta de tudo sozinho” – se esfarela.
Outra questão é lidar com as perdas. Não importa se a decisão será por Engenharia ou Arquitetura, o fato é que, ao definir um rumo, não será possível seguir por outro. No mínimo, será necessário adiar paixões.
Uma forma comum de driblar a angústia é negar que as escolhas sejam excludentes. “Posso fazer Administração agora, depois estudarei Gastronomia e, se não gostar, prestarei Engenharia Aeronáutica com pós em Computação”. A fantasia de que a gente possa viver sem limites, como dizia aquela propaganda sedutora, é perigosa. Mesmo sofrida, a reprovação recorrente pode servir para adiar outra dor: a de abrir mão das nossas fantasias infantis (das quais ainda gostamos). Permanecendo indefinidamente no cursinho, todos os caminhos continuam abertos. Em suma, o amadurecimento passa pela castração. Só vive intensamente uma formação universitária quem se dispõe a deixar de lado, ao menos por um tempo, outros destinos possíveis.
Escolher um caminho também implica em posicionar-se em relação à família, tanto a real quanto aquela que habita o nosso mundo interno. Ao escolher uma faculdade, o jovem transmite uma mensagem aos pais, de modo silencioso ou explícito. Sua decisão pode ser, por exemplo, uma tentativa de curar a ferida narcísica paterna.
“Como assim?”
Uma moça opta por estudar Medicina sonhando em tornar-se a cirurgiã que o pai desejou, mas não teve condições ou a coragem de tentar ser.
Ou, ao invés de tentar lidar com feridas, a preferência pode ser por interpretar os pais, mesmo que o jovem não se dê conta disso.
Por exemplo, um rapaz inscreve-se para Economia, sentindo-se orgulhoso por (aparentemente) aborrecer a mãe, que vive amaldiçoando os bancos e os especuladores da Bolsa de Valores. O curioso é que o desprezo dessa senhora pode ser uma fachada. Sob um fino verniz de desdém, parece haver um encantamento mal disfarçado com o glamour dos(as) executivos(as) de bancos. Nesse caso, a escolha do filho seria uma interpretação do desejo materno.
Por tudo isso e por muitos outros aspectos, não é de se espantar que o vestibular provoque turbulências e paralisias.
Minimizá-lo – ”é só mais uma prova, nada de novo” – não fará com que as dificuldades desapareçam, pelo contrário.
Conversar costuma ser mais útil.
[1] Os números são do vestibular passado. A Fuvest ainda não havia divulgado os números desse ano até o fechamento desse artigo.
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