No último sábado, dia 10, o Cinema e Psicanálise de Franca apresentou “A Chegada”, com comentários de Paulo de Moraes M. Ribeiro. Leia abaixo seu comentário sobre o filme:
A Chegada: História da Sua Vida
Paulo de Moraes M. Ribeiro [1]
Este filme é uma obra de ficção científica peculiar. Ele é sobre extraterrestres que subitamente aparecerem em diferentes pontos do nosso planeta, gerando pânico na população. As autoridades mundiais se desesperam e montam estratégias de contato com os alienígenas. O que querem eles? Invasão? Destruição? Negócios com a Terra? Estariam aqui fazendo algum tipo de Turismo?
É um filme sobre alienígenas, mas essa é apenas a camada superficial da estória. Na verdade, pode ser visto como um filme sobre o livre-arbítrio e suas mais radicais consequências. O livre-arbítrio é a capacidade de escolha pela vontade humana; pode ser concebido através de crenças religiosas ou de propostas filosóficas que defendem que a pessoa tem o poder de decidir as suas ações e pensamentos segundo o seu próprio desejo, crença e/ou valores.
Sabemos da existência do livre-arbítrio, pois temos experiência direta com ele. A vontade, que gera nossas escolhas, é parte intrínseca da nossa consciência, que tem suas limitações. Mas podemos conjeturar: o que aconteceria se nos libertássemos de nossa consciência? Como ficaria o livre-arbítrio? Poderíamos ter outras concepções do mundo e da vida? Poderíamos, por exemplo, saber o futuro antes de tomarmos nossas decisões?
A mente humana é uma ferramenta de grande energia e enorme potencialidade; como indivíduos e como Humanidade, ainda usamos muito pouco das nossas capacidades mentais, pois estamos apenas engatinhando nesta área. A nossa consciência opera através de correlações têmporo-espaciais limitadas pela terceira e quarta dimensão da Física (a do espaço tridimensional e a do tempo cronológico, respectivamente). Nos organizamos para pensar nossos pensamentos, sentir nossos sentimentos, tomar nossas decisões e efetuar nossas ações através de uma linha temporal num espaço tridimensional; mas os cientistas falam hoje dia na possível existência de outras dimensões, absolutamente desconhecidas, das quais podemos apenas fazer conjeturas imaginativas.
Nesta direção, podemos conjeturar que uma futura evolução humana possa caminhar para o desenvolvimento da capacidade de abstração dos elementos limitadores da consciência e, assim, abrir caminho para percepções que nos permitam apreensões da realidade nas demais possíveis dimensões (seriam 11 ao todo!). É algo desta ordem que os alienígenas vêm fazer na Terra, eles vêm nos trazer um “presente”, a sua estrutura de linguagem, que é radicalmente diferente da nossa.
O heptapodês, a língua dos extraterrestres, é escrita de forma circular, o que nos remete à não-linearidade no tempo e no espaço; difere da nossa linguagem, que precisa de um espaço (uma linha numa folha) e ocorre ao longo de um tempo (da margem esquerda para a margem direita, da linha de cima para a linha debaixo). Nossa escrita, e também nossa fala, implicam numa interpretação cronológica causal dos eventos: um momento nasce de outro, uma palavra leva à próxima, elas se relacionam sob a dinâmica de causas e efeitos, criando uma reação em cadeia que avança do passado para o futuro.
A linguagem humana nos conduz a pensar de forma predominantemente mecanicista, vendo o efeito como já estando completamente presente na causa que o precedeu, que por sua vez é efeito de outra causa anterior e assim por diante. A determinação é colocada no passado, numa única linha causal de eventos, o que tem implicações empobrecedoras na forma como apreendemos a Realidade. Aprendendo o heptapodês passamos a ter a capacidade de “ver” os efeitos de uma ação já na sua causa, antes dela acontecer; pode-se, assim, saber o futuro… E isso parece ter repercussões radicais na evolução da Humanidade.
Podemos ver esse filme como uma antevisão do futuro do nosso funcionamento mental. Os artistas têm a capacidade de antever elementos do futuro ainda invisíveis aos olhos comuns. Isso aconteceu, por exemplo, com o projeto do módulo lunar da NASA (inspirado em gibis da década de 1930), com a previsão dos pintores modernistas antes das duas Grandes Guerras Mundiais (que denunciavam a decadência dos valores da sociedade de então), com elementos do nosso presente antevistos por George Orwell em “1984” (como a internet, big-brothers, autoritarismos, etc.) ou em “Admirável Mundo Novo” do Aldous Huxley (uso de substâncias químicas em massa, divisão da sociedade em castas, reprodução artificial, etc.), entre outros. Quem sabe a nossa evolução não passe pelo desenvolvimento da apreensão psíquica de realidades/dimensões paralelas que permitam um desenvolvimento radical na nossa capacidade de livre-arbítrio?
Filmes de ficção científica, como este magnifico Arrival (A Chegada) do diretor Denis Villeneuve (o mesmo de outros filmes belíssimos como: Incêndios, Blade Runner 2049, etc.), nos permitem sonhar – ou ante-ver – capacidades mentais do Homem que estão no nosso porvir. Ao nos abrirmos para estas capacidades/sonhos, podemos começar a experimentá-las na nossa vida cotidiana, nos enriquecendo. Vale verificar!
[1] Membro Efetivo da SBPSP e Membro Efetivo com Funções Didáticas da SBPRP.
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