por Luiz C. Toledo 

Você gosta de futebol? Eu assisto aos jogos eventualmente, não sou um apaixonado. Sei que são onze de cada lado, onde ficam os gols e o que é um impedimento. O fundamental, enfim.

Sou, como se vê, um torcedor de sofá, acompanho as Copas do Mundo e as finais dos campeonatos. Então, caso você também não seja fanático(a) por futebol, siga em frente. Esse texto não é apenas sobre o esporte, é sobre símbolos.

Fonte: pixabay.com

Em um final de semana recente, sentei diante da TV com a intenção de assistir à final da Copa Libertadores da América. A Libertadores é o campeonato mais relevante do lado de cá do Atlântico, seu campeão conquista a oportunidade de disputar o Mundial com os melhores do lado de lá. A final seria jogada em Buenos Aires por duas grandes equipes argentinas: River Plate e Boca Juniors, que haviam empatado dias antes. A tarde prometia.

Infelizmente, a promessa não se concretizou. O ônibus do Boca foi atingido por pedras a caminho do estádio. Pablo Perez, o capitão do time, seguiu para o hospital com cacos de vidro nos olhos e vários outros jogadores se feriram.

A Libertadores é um campeonato tradicionalmente violento. Ataques a ônibus, invasões de campo, brigas de torcida e agressões escabrosas entre adversários fazem parte da sua história. O que ocorreu esse ano foi o resultado previsível de uma desorganização crônica.

O pontapé inicial foi sendo adiado ao longo da tarde, para o constrangimento dos narradores – “será daqui a duas horas”, “já, já começamos” – até que a Confederação admitiu o cancelamento. Os jogadores do Boca, compreensivelmente, recusaram-se a jogar.

Dias depois os jornais noticiaram que a final havia sido transferida, por falta de condições de segurança, para… Madri.

Sim, Madri, na Espanha.

Para ter uma dimensão do significado dessa decisão, imagine algo assim: a final de um campeonato entre Corinthians e Flamengo será disputada em Lisboa por falta de segurança no Brasil. Inacreditável, não?

Parte da imprensa abordou o absurdo da situação, a decisão de um torneio chamado Libertadores da América acontecerá no país que colonizou boa parte do continente.

Além do vexame, existem vários aspectos simbólicos nesse imbróglio. Comecemos pelo mais óbvio. Quando as coisas correm bem, o futebol é (como outros esportes) a vitória do lúdico sobre o ódio, uma forma sofisticada de sublimar a agressividade, de transformar o confronto em um momento prazeroso.

Ao invés de batalhas, temos uma Copa do Mundo entre nações a cada quatro anos. Levamos bandeiras, cantamos os hinos, sofremos e, ao final, saímos para comemorar ou afogar as mágoas. Trata-se, simbolicamente, de uma guerra entre tribos e o fato de podermos fazer dela um grande espetáculo – uma metáfora – é um sinal da evolução humana, um triunfo da civilização sobre a barbárie.

O que vem ocorrendo, já há algum tempo, é que o sentido dessa evolução inverteu-se. Um exemplo eloquente (e próximo) foi a decisão de realizar clássicos no Brasil com a presença de torcidas únicas. Ou seja, nossa incapacidade de conviver pacificamente com torcedores de outras equipes chegou a tal ponto que as “autoridades competentes” (acrescente muitas aspas aqui) optaram por abrir mão de jogar com duas torcidas.

“E se, ao invés de combater a violência, como fazem os outros países, mandássemos metade dos torcedores para casa?”

Pois é, depois se queixam de falta de público.

Mas transferir a final da Libertadores da América para a Espanha é uma decisão que simboliza algo a mais.

É como se, diante de filhos que não conseguem parar de se estapear, o pai decidisse que eles só poderiam brincar juntos em outro lugar, longe de casa. No Colégio, quem sabe, onde talvez ainda exista alguma autoridade capaz de conter a agressividade das crianças. Em outros termos, é a falência da função paterna.

Esse é o ponto, não se trata apenas de futebol. Se não conseguimos conviver de forma minimamente civilizada com o vizinho que torce para outro time, que condições temos para debater assuntos espinhosos, como religião ou política?

Esse texto foi escrito antes da decisão, finalizo sem saber quem vencerá. Dadas as condições em que ela será disputada, isso me parece irrelevante.

Que optemos por pedir socorro aos nossos colonizadores em busca de um mínimo de autoridade e organização, que nos permitam jogar bola sem correr o risco de nos trucidarmos, como crianças mal educadas, e que o façamos sem perceber a gravidade desse ato, eis o quê realmente importa.

“Inconsequentes da América”, fica a sugestão caso decidam rebatizar o torneio.