por Maira Cecília Avi, membro filiado da SBPRP
Durante minha vida costumo frequentar muitas salas de espera. Algumas posso descrever com nitidez a cor das paredes, os móveis, os enfeites e as revistas. Outras, não gozam desta clareza, pois existem em dimensões de minha mente que não se aproximam do mundo visível que nossos corpos costumam habitar. No entanto, não deixam de ser salas de espera.
Mas esta história, ou melhor, a história desta amizade aconteceu em uma sala de espera no mundo concreto, visível. Ou será que não? Na verdade, aconteceu no lavabo destinado aos que frequentam esta particular sala de espera.
Era uma sala pequena com duas poltronas e uma mesa lateral contidas por um tapete felpudo. No canto esquerdo da sala, afastado brevemente da continência do tapete, ficava uma mesa que, por sua vez, continha um vaso, um rádio e um enfeite de vidro. Atrás dessa mesa, separado por uma parede, ficava o lavabo que conteve (e ainda contém) o encontro entre mim e Despê.
Frequentei este lavabo muitas vezes no passado antes dele se tornar a casa de Despê. Era um espaço pequeno, apenas com o vaso sanitário e a pia. Havia uma janela decorada com uma persiana. E foi atrás desta persiana que me surpreendi com a presença de Despê naquele dia.
Chega o momento de um esclarecimento: Despê é uma escultura, cujos contornos mostram uma mulher com as mãos na cabeça parecendo estar em desespero. Despê foi alocada na janela do lavabo atrás da persiana pelos donos da casa que contém estes espaços que frequento. Esta posição da escultura me permitia observar seu desespero, mas através de uma grade (a persiana) que me mantinha afastada dela. Eu a batizei de Desesperada e, com o passar do tempo e do desenvolvimento de nossa intimidade, eu a apelidei de Despê.
Bom, raramente sou amedrontada pelo desespero. Por isso, assim que a vi, quis tocá-la e saber do que era feita. Ergui a persiana e me aproximei dela. Madeira! Leve e maleável desespero. Senti que, não sendo de pesado metal que a prendesse ao chão, poderia usar sua leveza para voar. Seria este o sentido de seu desespero? Poder voar?
Despê me cativou e, a partir daí, sempre que a vida me levava para aquela sala de espera, aproveitava para visitar e conversar com a Despê enquanto aguardava ser chamada para outro encontro.
Certa vez, querendo me aprofundar em nossa intimidade, levantei a persiana e a segurei em minhas mãos. Observei que estava empoeirada. Peguei o papel macio que tinha a mão para limpá-la. Ao tirar Despê de sua cama, notei insetos mortos ao seu redor. Senti ternura por Despê encontrar criaturas que aceitavam ficar na espera ao lado dela até a morte. Podia ser sua morte ou a das criaturas. Mas Despê parecia sobreviver a todos. Neste momento eu a senti como uma figura forte e de imortal solidão. Seria este um sentido agregado ao seu desespero de saber que podia voar? Saber-se forte e voando solitária?
Imaginei que, talvez, ao mesmo tempo que eu percebia o seu desespero, sem me dar conta, ela percebia a minha espera. Um simples gesto seu ilustrava seu imortal desespero. Eu, por minha vez, ao frequentar sua casa ilustrava a minha imortal espera por encontros.
Depois de muitos encontros, hoje somos íntimas amigas. Eu contenho seu desespero e ela contém a minha espera. Assim, nos reunimos para voar.
Até amanhã Despê!
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