Reserve a data: 21, 22 e 23 de maio de 2020
“A história pessoal de Freud, o judeu errante da Galícia à Viena, em seguida Londres, passando por Paris, Roma e Nova York (para citar somente algumas etapas-chaves de sua provação cultural e política), condiciona essa preocupação de enfrentar a inquietação do outro enquanto mal-estar a partir de uma permanência da “outra cena” em nós. O meu mal-estar em viver com o outro – a minha estranheza, a sua estranheza – repousa numa lógica perturbada que regula esse feixe estranho de pulsão e de linguagem, de natureza e de símbolo que é o inconsciente, sempre já formado pelo outro. É por desatar a transferência – dinâmica maior da alteridade, do amor/ódio pelo outro, da estranheza constitutiva do nosso psiquismo – que, a partir do outro, eu me reconcilio com a minha própria alteridade-estranheza, que jogo com ela e vivo com ela. A psicanálise sente-se então como uma viagem na estraneidade do outro e de si mesma, em direção a uma ética de respeito pelo inconciliável. Como poderíamos tolerar o estrangeiro se não nos soubermos estrangeiros para nós mesmos?”. (Kristeva, Julia p. 190-191[1]).
“A aposta do Século das Luzes na plenitude da razão não nos libertou da destrutividade e do ódio à diferença. Pelo contrário, a rejeição da alteridade parece estar no auge neste planeta globalizado e desigual, o que fomenta a destrutividade (Chamayou, 2014). (in: Viñar, Marcelo p. 172[2]).
Em 2008, a SBPRP realizou a I Bienal de Psicanálise e Cultura em Ribeirão Preto, baseada na relação íntima e recíproca entre o campo de saber psicanalítico e os outros campos da cultura: filosofia, educação, história, antropologia, sociologia, artes. Freud foi um pensador da cultura, refletindo a respeito da civilização, das guerras e das artes, procurando entender seu tempo e as questões e dilemas da civilização. Em 2020 realizaremos a V Bienal de Psicanálise e Cultura.
Trazemos dois eixos de interesse para a V Bienal, que acontecerá em maio de 2020: por um lado, os fenômenos migratórios presentes nos noticiários denunciando profundas convulsões sócio-político-culturais e, por outro lado, o centenário de “Além do Princípio do Prazer”, obra de Freud de 1920, que se tornou um divisor de águas na psicanálise. Assim sendo, elegemos como título de nosso evento (Im)Permeáveis Fronteiras.
Lasar Segall dizia que a condição de refugiado é própria do ser humano e realizou várias obras sobre o tema. A psicanálise nos ensinou que somos estrangeiros de nós mesmos, em uma luta eterna com esse outro do inconsciente que nos habita – somos Eu e Isso ao mesmo tempo. Nesta segunda década do século XXI, estamos testemunhando o maior movimento migratório desde as duas grandes guerras no século XX. Populações inteiras condenadas à errância, em busca de um lugar de pertencimento. E essas pessoas muitas vezes encontram ódio e intolerância. O não lugar da fronteira é onde explodem os ódios e a destrutividade (Eliane Brum), mas pode também ser o lugar da travessia possível, do surgimento da hospitalidade criativa, da descoberta da alteridade.
Há 100 anos, Freud publicava sua obra mais controversa, que se tornou uma espécie de fronteira: a psicanálise de antes de 1920 e após 1920, obra em que nos apresenta a pulsão de morte e seus desdobramentos na vida psíquica. Como pensar suas proposições em nosso momento atual, em que chegamos ao limite de nos perguntarmos: a barbárie estará vencendo a civilização?
Maio de 2020, dias 21, 22 e 23, no Centro de Convenções de Ribeirão Preto: reserve essa data para estar conosco e refletir a respeito do tema!
[1] Kristeva, J. (1994) Estrangeiros para nós mesmos. Rocco: Rio de Janeiro. Trabalho original publicado em 1988.
[2] Viñar, M. (2017) o sujeito em exílio: entre o ser da intimidade e o ser da violência política extrema. Revista Brasileira de Psicanálise, volume 51, n. 1, p. 167-176.
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