“VOCÊ É TÃO BONITO” ou Re-Instauração da Capacidade de Sentir, Pensar e Amar

por Dra. Denise Lopes Rosado Antônio, Psicanalista Membro Efetivo da SBPRP

Plante uma boa semente
Numa terra condizente, que a semente dá
Pegue, regue bem a planta
Que nem praga não adianta
Ela vai vingar
Planta é como o sentimento
Tem o seu momento
Tem o seu lugar

Regue bem seu sentimento
Porque rega no momento
Não pode faltar
Gente também é semente
Tem que estar contente
Tem que respirar*

O filme “Você é tão Bonito” (Je Vous Trouve très Beau), maio de 2007, com direção de Isabelle Mergault, arrebata-nos lentamente por assistirmos a transformação do fazendeiro Aymé Pigrenet (Michel Blanc), homem endurecido, de uma realidade psíquica esvaziada de afetos (desafetado), em um ser humano carregado de emoções (amor, medo, admiração, altruísmo, gratidão). Nós assistimos um filme que constrói devagar a eclosão de um homem que nos deixa com vontade de dizer “Você é tão bonito”.

Imagem: reprodução

Transformações assim são possíveis?

Se possível, como é que essa transformação acontece?

Assim, como acontece numa sala de análise, encontramos Aymé, que, aparentemente, relaciona-se consigo mesmo e com os outros sem qualquer contato emocional. Aymé se mostra indiferente às necessidades do outro, torna-se bravo, controlador, ranzinza, exigente, irritado quando algo não está em conformidade com suas próprias necessidades. É um homem inteligente, porém se relaciona com as suas precariedades através da imitação do que seria o “politicamente correto”, já que ao vivenciar os fatos de sua vida ele não sofre as experiências emocionais que estas vivências poderiam lhe proporcionar. Sem conseguir sofrer suas dores, sem perceber a solidão em que vive, ele segue vivendo a sua vida numa situação cristalizada que, aparentemente, sugere que não há quaisquer possibilidades de mudança.

Depois de ter ocorrido uma situação inesperada que acarretou uma mudança em seu cotidiano, ele sai em busca de uma solução para aquilo que considera ser o seu problema. Não se vê nenhum traço de busca de transformação em si mesmo. Ele percebe em si insuficiências pragmáticas, mas não percebe suas precariedades afetivas.

Assim Aymé vai ao encontro de um outro (que poderia ser um psicanalista, por exemplo), que começa a lhe apresentar novas formas de se relacionar; que lhe apresenta a afetividade e o respeito que o leva a novas experiências afetivas. É uma aproximação lenta e delicada que vai ajudá-lo a se desarmar de sua “desafetação”, numa convivência diária em que esse outro o trata com ternura, apresentando vitalidade e beleza em relação ao seu distanciamento afetivo. Essa forma de atenção impede que a frieza (o distanciamento emocional) de Aymé, prevaleça. Aymé, aos poucos, vai estabelecendo a condição de receber esses cuidados, e passa a sentir-se melhor e bem tratado, com a permissão de entrada do outro em sua vida emocional. Gradativamente Aymé vai ficando mais aberto aos sentimentos que vão surgindo na relação, que tende a se tornar mais criativa.

Parcerias construtivas e parcerias destrutivas, cada uma revela um lado de Aymé. Ele tanto poderia ser de um jeito como de outro, até então. A princípio, quando ele ainda não sofreu mudança em sua forma de se relacionar com o outro, passa a agir com carinho ao carinho que recebe, vivenciando as situações e se relacionando através de imitações. Como ele ainda não promoveu mudanças em seu modo egoísta de ser, ele ainda não se interessa pela pessoa do outro; ele continua tentando manter as coisas como elas sempre foram.

No entanto Aymé vai se aproximando de seus sentimentos, e fica apavorado diante da eclosão de tudo o que lhe surge naquela relação. Aymé já não tem como fugir do contato consigo mesmo, e nem de toda a turbulência marcada por alegria, bem estar, ciúme, dependência afetiva e medo de perda que a presença desse outro lhe desperta.

Aymé fica apavorado pelo medo de amar e não ser amado; de ser rejeitado. Ele luta para preservar o Aymé esvaziado de afetos, mas já não é possível escapar. A mudança chegou, agora ele já sente e pensa.

Aqui chegamos no ponto alto do filme. Aymé consegue, enfim, verbalizar algo profundo do que se passa em seu interior. Ele tem um interior, deixou de ser imitação.

Nesse momento do filme o personagem Aymé já tem re-instaurada a sua capacidade de sentir e, enfim, é capaz de perceber seus sentimentos. Aymé se percebe transformado em um ser humano que possui um interior habitado por sentimentos e pessoas.

Mas essa foi apenas uma parte de sua transformação: ainda falta o contato com as necessidades do outro. Ele está em contato com os próprios sentimentos, mas ainda tem que fazer o movimento de perceber e cuidar do outro.

De que maneira isso é possível numa parceria? Isso acontecerá?

Convido a todos para que venham assistir ao filme, no dia 18 de maio em São Sebastião do Paraíso, para juntos trocarmos ideias sobre as variadas possibilidades que uma parceria pode promover nas relações.

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*Planta Baixa” – música de Toquinho e Vinícius de Moraes, gravada por Toquinho no LP “À Sombra do Jatobá” (RCA, 1989)