No dia 11 de junho, teremos mais um Terças na Sociedade. Desta vez o tema é “Feminino” e os comentários serão de Maria Aparecida Galiote Pelissari, membro efetivo da SBPRP.

FEMININO

“Ninguém nasce mulher: torna-se mulher”

Com essa afirmativa, Simone de Beauvoir (1949) incitou a comunidade intelectual e toda sociedade a acompanhá-la em suas reflexões sobre “O Segundo Sexo”, o feminino. A frase traz em si a marca do existencialismo. Para a filósofa, existimos desde nosso nascimento e, o fato de existir, não nos constituía homens ou mulheres. Beauvoir afirmou que são as experiências que vivemos que constituirão nossa essência. Em seu pensar nesta obra, ela contemplou os ideais sociais, econômicos, políticos e culturais.

A psicanálise interessa-se em observar a natureza humana na constituição e construção do mundo psíquico e sua interação com o mundo externo. De sua concepção aos dias atuais, observamos que os representantes teóricos se interessam em investigar o ser humano inserido na sua cultura. Nos textos psicanalíticos também encontramos referências aos diversos ideais. Assim, nos deparamos com a ascensão de todo movimento feminista que tiveram início nos últimos anos do século XIX e início do século XX.

(Imagem: reprodução)

Freud ao ouvir as primeiras pacientes “histéricas”, período coincidente com a organização das sufragistas, o primeiro movimento na Inglaterra, em que as mulheres buscaram o direito a voto, observou que as mulheres, adoecidas e prisioneiras no próprio corpo, em suas angústias, buscavam ser ouvidas. A percepção de que havia um corpo em busca de entendimento abriu caminho para a investigação da psicossexualidade.

A psicossexualidade e a teoria pulsional são os eixos que perpassam toda teoria freudiana.  Inicialmente, Freud conjecturou a existência da bissexualidade humana, mas ao conceber a existência da sexualidade infantil (1905), fundamentou-a a partir do monismo fálico. Nas primeiras décadas, o teórico, focado em investigar a sexualidade na constituição e configuração intrapsíquica, descreveu a sexualidade feminina e a feminilidade indistintamente. Socialmente, Freud esteve próximo de várias mulheres, em 1910 empenhou-se para que Margarethe Hilferding fosse aceita na sociedade psicanalítica de Viena. Porém, no texto de 1926 revelou o pouco conhecimento que ele dispunha sobre o universo feminino/feminilidade, e descreveu as mulheres como “o continente negro”, o desconhecido. A partir deste período, Freud considerou que se fazia necessário discriminar a sexualidade feminina do feminino. Os textos posteriores de 1931 e 1933, sobre o tema, revelam o interesse de Freud em conhecer o desconhecido, o feminino.

Estudiosa da vida mental infantil, Klein apresentou em 1932 dois artigos nos quais, separadamente, investigou os efeitos das ansiedades arcaicas sobre o desenvolvimento sexual da menina e o do menino. Com estes, a autora ampliou significativamente a concepção da sexualidade infantil. Ela investigou o fenômeno da receptividade e conjecturou a existência da “fase de feminilidade” comum aos dois sexos, isto é, ao humano.

Alguns anos após a publicação destes artigos de Klein, encontramos em Freud (1937) sua última concepção sobre o feminino, onde escreve: “Frequentemente temos a impressão de que os desejos de um pênis e o protesto masculino penetraram através de todos os estratos psicológicos e alcançaram o fundo [leito de rocha], e que assim, nossas atividades encontram um fim. Isso é provavelmente verdadeiro, já que, para o campo psíquico, o campo biológico desempenha realmente o papel de fundo subjacente. O repúdio da feminilidade pode ser nada mais do que um fato biológico, uma parte do grande enigma do sexo.” (p. 287)

Com essa publicação, Freud encerra a questão do feminino em sua obra. É um tema precioso à sua teoria, posto que, demarca os limites iniciais e finais constituindo-se no enigma a ser decifrado.

Winnicott (1966) acrescenta o elemento feminino puro e introduz a mãe como elemento central na constituição do psíquico de todo ser humano ao escrever: “Essas considerações me envolveram, portanto, numa afirmação singular sobre os aspectos masculinos e femininos puros do bebê masculino ou feminino. Cheguei a uma posição em que posso afirmar que a relação de objeto em termos desse elemento feminino puro nada tem a ver com impulso (ou instinto)… O estudo do elemento feminino, puro, destilado e não-contaminado, nos conduz ao SER, e constitui a única base para a auto-descoberta e para o sentimento de existir (e, depois, à capacidade de desenvolver um interior, de ser um continente, de ter a capacidade de utilizar os mecanismos de projeção e introjeção e relacionar-se com o mundo em termos da introjeção e da projeção)”. (1975, p. 117).

Para o autor, a experiência inicial com o seio da mãe estabelece uma identificação que funda as identificações futuras, portanto, essa primeira identificação se faz anterior a do elemento masculino puro.

A publicação deste artigo coincide com o segundo grande movimento feminista de 1960/1970, momento de luta pela igualdade social e política, em que ocorre o lançamento da pílula anticoncepcional e o estabelecimento da lei do divórcio.

(Imagens: reprodução)

Desde 1990 temos acompanhado socialmente as lutas pelas inclusões e, entre outras, encontramos as questões de racismo e de diferenças de gênero.

(Imagem: reprodução)

As teorias psicanalíticas têm contribuído para expandir o conhecimento sobre a constituição da mente humana e buscam se aproximar da existência humana em seu contexto cultural, social, econômico e político. Atualmente, frente às várias expressões da sexualidade, a psicanálise continua buscando diferenciar a sexualidade feminina do feminino e da identidade feminina.  Entre os vários teóricos atuais da teoria psicanalítica, encontramos consenso de que o feminino é uma dimensão comum do ser humano independente do sexo feminino ou masculino.

O movimento feminista se ampliou. Além de todas as reivindicações originárias agregam as questões de inclusão, o racismo, o abuso sexual e outros preconceitos.

Em 8 de março de 2015, a ilustríssima da Folha digital publicou um artigo de Úrsula Passos intitulado “Retrato do movimento feminista na era da dispersão”.  Este foi ilustrado com as figuras abaixo da artista plástica Adriana Varejão.

Aguardo vocês no dia 11 de junho. Até lá!