por Carmen Roberta Baldin, membro filiado da SBPRP

Experiência de Carmen em cerimônia matrimonial na Tribo Pataxó com Iuná (noiva) e Uriaçu (noivo)

Do atendimento individual e vincular, até ocas indígenas onde um saco de farinha se transforma em divã e em escolas de povoados.

A meu ver, é um imperativo deontológico que os psicoterapeutas/psicanalistas possam abrir mão do conforto de seus consultórios climatizados para exercerem a prática da clínica psicanalítica onde e como ela se fizer necessária.

Sem perder a autocrítica, essa declaração que aqui publico expressa com rigor e sinceridade o valor de tais experiências muitas vezes vistas como pouco ortodoxas, pois nem sempre haverá divãs ou música new age na sala de espera do consultório. É possível que nem sempre haverá sala de espera e nem mesmo consultório. Mas sempre haverá seres humanos semelhantes necessitando de ajuda. O que fazer, então, com esta parcela pouco privilegiada de nosso universo de pacientes?

É saudável que organizações como Psicanalistas pela Democracia se manifestem pela manutenção de cláusulas pétreas constitucionais garantidoras de direitos humanos, mas muito mais incisivas e úteis são as iniciativas, como A Clínica Aberta de Psicanálise, que funciona como uma espécie de plantão psicanalítico em datas e horários reservados àqueles que não teriam acesso a outras formas de atendimento.

Está claro que o zeitgeist do presente momento histórico, para trabalhar com um conceito mais próximo, criou circunstâncias muito favoráveis para o ressurgimento de movimentos que possam abrir e ampliar as práticas da clínica psicanalítica.

Minha experiência tem demonstrado que, ao sair de meu consultório, lugar em que desenvolvo o refinamento de minha escuta, sinto-me em melhores condições para ir a campo e oferecer essa escuta às pessoas das comunidades menos favorecidas. E, quando volto para o consultório, após uma experiência desta natureza, me percebo tendo desenvolvido mais humanidade, sendo portanto algo transformador que me auxilia no contato com meus pacientes. Isto me faz lembrar da proposta de Freud de que a Psicologia Individual é, ao mesmo tempo, também Psicologia Social. Para mim: o grupo está contido dentro do indivíduo e o indivíduo faz parte de um grupo.

Deste ponto de vista, o setting se amplia para além do enquadre clássico do consultório: passa a ser compreendido como a relação que se estabelece entre os participantes de um processo que, através de um diálogo, se propõe a ampliar as possibilidades de observação e pensamento. Penso que, no enquadre tradicional, o setting inevitavelmente assume uma posição central na relação analítica, considerando o trabalho de duas mentes ou (em outras palavras) de diferentes grupalidades que se encontram ali.

O impacto do feminino na história da Psicanálise

Compartilho em seguida minha visão acerca do tema deste 51º Congresso: “O feminino” e de algumas reflexões expressas no início do texto, quer seja, a necessidade de sermos mais humanos na relação com o outro e o modo como enfrentamos esse desafio.

O ressurgimento de alguns movimentos, dentre eles o de liberação feminina, em escala ainda mais aprofundada que o Women’s Liberation, logrou nos anos da Contracultura. Se naqueles anos incríveis e heroicos, pioneiras clamando por direitos libertários de forma concreta e objetiva, como o de optarem por não utilizar soutiens sem serem increpadas por isso, nos dias atuais o que verifico é o implemento, pelos respectivos Estados Nacionais, de normas coercitivas, voltadas para a garantia específica de direitos peculiares à condição feminina (como a lei Maria da Penha no Brasil), inclusive com a prescrição de sanções penais para infratores.

Parece também bastante claro que as pautas femininas aumentaram em muito sua visibilidade e seu alcance ao firmar uma sólida aliança com os demais movimentos de minorias, notadamente o LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais ou Transgêneros), o de povos aborígines e nativo-americanos e os movimentos antirracismo dos afrodescendentes euro-americanos. E este é um dado dos mais relevantes para todos nós. Tenho a impressão que esta aliança tão profícua só foi possível porque as pioneiras dos anos 60 e 70 se libertaram das amarras deste grande vício que costuma acometer os que lutam por uma causa justa: o sectarismo.

Ao enxergarem que as pautas femininas se aproximavam das de outras minorias vitimadas pelo patriarcado, e ao se moverem rumo a elas, libertando-se das amarras sectárias, este novo Women’s Libertation agigantou-se e encorpou e, assim, as mulheres ganharam espaço na sociedade e em meios intelectuais e culturais, com participações em diversos segmentos intelectuais e artísticos.

Inspiro-me em mulheres psicanalistas livres e sábias como Melanie Klein, quando lecionou magistralmente, e com sinceridade lancinante afirmava que a Psicanálise, antes de ser uma profissão ou um interesse intelectual, deveria ser uma experiência de crescimento e cura. Por sua tão precoce adesão à Psicanálise, Klein teve o privilégio histórico de receber um prêmio e o reconhecimento pelo seu artigo escrito e apresentado no 5º Congresso Internacional de Psicanálise.

A liberdade de Paula Heimman que ousou tocar no tema espinhoso e potencialmente dolorido da contratransferência, ousando discordar de Melanie Klein.

E o que dizer de Lou Andreas Salomé que publica num remoto e assustadoramente machista ano de 1916 um título da importância de O anal e o sexual?

Candidatas Premiadas no IPA 51st Congress London 2019:
2º lugar – (Indiana) Bharti Jain;
1º lugar – (Brasileira) Carmen Roberta Baldin;
3º lugar – (Canadense) Karen Dougherty