por Andreas Zschoerper Linhares, membro efetivo da SBPRP e membro efetivo com função docente do Grupo Psicanalítico de Curitiba

Eu estava como ouvinte, se bem que isso não era bem verdade para definir a minha posição, pois na verdade todos eram ouvintes. Melhor dizer que eu era um não falante, mas isto não era bem verdade também, pois a minha mente gerava muitas falas que eu mesmo ouvia. Então eu era um falante que não abria a boca. Isto também não era verdade, pois por vários motivos a minha boca se abria, como para tomar um café, por exemplo. É melhor desistir: não existem definições definitivas e este caminho passa a ser muito cansativo, enfadonho. Talvez entender-se seja um ato de boa vontade. “Para um bom entendedor meia palavra basta”, diz-se por aí. E neste lugar “Bom”, é no sentido de um entendedor de bom coração. Para ser entendedor precisa-se de bom coração. Temos só meia palavra. A palavra que sai da minha boca, é meia palavra, não tenho a palavra que entra no ouvido de quem ouve. A outra metade é de quem ouve, que pode ser eu mesmo também. Não sei do significado que o outro dá para a minha palavra e esse outro também pode ser eu mesmo. Ele precisa ser um bom entendedor para me entender, eu preciso ser um bom entendedor, para me entender. Bom de coração, como disse. O entendimento, é uma experiência emocional, uma boa experiência emocional, foi dito por alguém e eu acredito.

O expositor regia à partitura da obra de um autor psicanalítico, estabelecendo uma pausa aqui e ali, para destacar o predomínio de um movimento peculiar. Batizei de epistemologia, hermenêutica e teologia, alguns destes movimentos. Epistemologia responde por: “o quê”, “quando” e “como” e algumas vezes o “por quê”. A hermenêutica descobre o sentido, que sentido tem para alguém a experiência – o sonho de cada um. O que se sente e é sentido, o significado pessoal. E a teologia nos põe o ser diante do infinito de si e fora de si, é habitar uma experiência e ser habitado por ela. Façam suas escolhas, se puderem, eu pensei. Ou seja, falei para mim mesmo, não lembro agora se concordei ou não.

De repente, ao cabo de uma pausa, levanta-se uma guerreira, e com a autoridade de quem fala de uma experiência, ou seja, fatos encarnados no ser, conta de batalhas e do leme que maneja, do que enxerga no anoitecer, ou no alvorecer, na pausa entre as batalhas. A experiência encarnada no ser tem efeitos colaterais. E efeitos colaterais podem ser benéficos, de vez em quando, desafiando a receita convencional, como a descoberta de uma individualidade radical, por exemplo, eu pensei. Visível é também sua alegria, visível é também a admiração que desperta.

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(Imagens: Maria Letícia Wierman, membro associado da SBPRP)

Outra voz se alevanta, fala do nascer e do pôr do sol. Vejo nela a voz que se intercala com sorrisos. A voz se põe, aparece um sorriso, que vai descansar, para dar lugar à voz e o ciclo se repete. Nascer e pôr do sol, nascer e pôr do sorriso, nascer e pôr da fala. Aparece o som de uma frase, e a voz descansa em um novo sorriso, retoma o fôlego e a voz toma o lugar do sorriso. Num certo momento esta dança termina, mas não na minha mente. Fico sonhando neste ciclo, quando sou despertado: “Nascer e pôr do sol não existem!”, ouço alguém dizer – são ilusões sensoriais. Difícil dizer o que existe e o que não existe, penso eu. Vou acreditar em Rene e acreditar que eu existo porque me dou conta que penso, e ponto. Ia me perder demais duvidando disto também, neste momento. Sigo em frente. Mas se colocou um problema, eu acreditei na existência do que a voz, em sorriso e fala, colocou. Mas acredito também que o sol possa estar sempre lá, e não tenha esta efemeridade de nascer e morrer tão rápido, seria no mínimo muito cansativo ser assim, além de outras evidências em contrário a isso. Preciso encontrar um sentido. Que tal então chamar de dia ao invés de sol? O dia nasce e morre, de fato, e ele não volta nunca mais, o calendário nos conta esta história, tal dia de tal mês e tal ano, nunca retorna, externamente, normalmente. Nasceu e morreu. Mas, sempre pode haver um novo dia e tem sido assim. Um dia com claridade, mesmo que efêmera, nascimento e morte e 24 horas e tal, mas ele nunca se repete completamente, cada dia é uma transformação diferente das invariantes. Legal, Gostei. Acho que isto resolve o problema. Poderia começar a pensar que o dia também é uma ilusão, e aí ter que lidar com isto também, mas é uma ilusão necessária humana, que mostra que somos humanos e precisamos de referências humanas. Um seio nunca é somente um seio, nos disse a senhora Klein. Concordo. Descanso um pouco com esta elaboração. Prosit! Que bom que existe o que podemos chamar de cultura humana, onde representações (sonhos coletivos) civilizam, humanizam, a crueldade, ou a perplexidade, ou a pobreza implacável do sensorial. Ainda bem que existe algo que regula a nossa relação com a coisa em si, ou Deus. Nosso lugar na natureza é muito ínfimo, na cultura pode haver o sonho. Que seria de mim, se não houvesse um sacerdote para me perdoar,  e com uma igreja também que, aqui e ali, também peca!, diz o cristão. Imagine um dia que não tivesse fim!, diz o investidor da bolsa.

Mas a igreja e o dia tiram férias, chegam fotos do sol que nasce e se põe. O sol é só um rótulo de algo muito mais profundo. A lide com as palavras é insuficiente. As palavras também tiram férias. Está o mistério e o indeterminado que alcança, ou invade, o ser.

O ínfimo e o infinito. Abertura, ouvir a música surda que está no silêncio das palavras. A luminosidade que está na sombra, e vice versa. A forma, disforme e seu reflexo. É este espaço ínfimo, infinito, sem formas que habitamos. E ficar lá, até acordar. Ou ficar lá, até dormir. Ou ficar. Poder escolher, se for escolha.