por Alessandra Stocche, membro filiado da SBPRP

A psicanálise implica escuta e vínculo. O trabalho do psicanalista, junto com seus pacientes, consiste na ajuda da elaboração de recursos para que estes possam ter saídas… Ela é, em essência, o lugar de acolhimento em que as pessoas podem ler suas próprias narrativas e aprenderem a lidar com elas e com as experiências vividas.

Carlos Drummond de Andrade, quando escreve “José” (1942), traz em seu poema um certo ceticismo, em que a realidade, muito difícil, mostra um indivíduo sem nenhuma perspectiva, nenhuma porta aberta. Ele começa:

“E agora, José?

(…)

A luz apagou,

o fogo sumiu,

a noite esfriou,

e agora, José?”

E tudo que vem depois, é privação:

“Com a chave na mão

quer abrir a porta,

não existe porta;

quer morrer no mar,

mas o mar secou;

(…)

Você marcha, José!

José, para onde?”

A psicanálise vê a dor humana e busca recursos para transcender a paralisia, para ir em frente. Se colocarmos assim: E agora, José, diante dessa pandemia? Creio que nos depararemos com uma Psicanálise que tem se reinventado… Com analistas que têm se aventurado a abrir outras portas e navegar por outros mares.

Nossa função, como analistas é seguirmos em frente e diante dos desafios romper barreiras. Neste momento, abrir uma porta virtual para não nos paralisarmos. É preciso abraçar a teoria e a técnica apreendida e transitar, com esperança, nesse novo lugar. É importante termos em mente que a Psicanálise lida com a dor humana e não pode eleger uma situação ideal; ela acolhe o paciente na realidade em que ele se encontra e com a verdade que ele traz. A Psicanálise não é fechamento, ela é abertura.

Drummond, em sua escrita, olhava para os oprimidos e chamava a atenção para o fato de que não havia saída para muitas pessoas… Diferentemente,  a psicanálise faz um convite para que, através da análise, o paciente olhe para seu mundo interno e encontre saídas para continuar sua caminhada, para que ele possa enfrentar a realidade, e uma vez se dando conta dela, redescobrir formas de sobreviver, colocando a vida acima de qualquer valor. Ainda que seja sofrido e os caminhos sejam árduos, há sempre uma aposta no movimento e na vida. Para isso é necessário ter fé em nosso trabalho, porque sempre haverá portas, velhas ou novas, e, consequentemente, sempre buscaremos por chaves.

E assim José, agora, diante da pandemia, renova a esperança e pode sonhar com novas saídas.

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