por Patrícia Bolfe e Sarah Prado, membros filiados da SBPRP

Marcius Galan nasceu em Indianápolis (EUA), mas cresceu em Bauru (SP). Formou-se em Artes Visuais pela FAAP em 1997 e recebeu vários prêmios por suas obras.

Seu trabalho pode ser apreciado em inúmeros museus e galerias nacionais como Inhotim, MASP e no Instituto Figueiredo Ferraz (Ribeirão Preto), e internacionais como a Galeria Gregor Podmar em Berlim, Museum of Fine Arts nos Estados Unidos e Jumex no México.

Marcius vem trilhando uma trajetória ascendente no cenário da arte contemporânea brasileira.

No dia 09 de outubro os Membros Filiados Patrícia Bolfe e Sarah Prado se encontraram virtualmente com o artista para uma conversa. 

Sarah e Patricia: Aqui em Ribeirão Preto no Instituto Figueiredo Ferraz (IFF) tem uma obra sua que é sempre muito visitada pelos psicanalistas em formação que frequentam o IFF para participar de um projeto em conjunto com a Sociedade Brasileira de Psicanálise e Ribeirão Preto (SBPRP) que conta com várias propostas de intersecção da psicanálise com a arte. Inclusive, na última vez que participamos desse projeto fizemos uma foto na sua obra.

Seção Diagonal , 2008 – Pintura sobre parede, cera no piso filtros de luz e madeira

Marcius: É mesmo, eu vi a foto de vocês lá. É sempre bom ter um retorno das instituições. Em Inhotim eles sempre me mandam os comentários, fotos, as reações das pessoas. Isso é sempre muito bom saber porque a gente solta as obras e não se tem mais essa conexão de saber como que o público está reagindo, é sempre bom ter esse retorno.

Sarah: Conte-nos um pouco sobre seu percurso como artista, como que você começou, se você vem de uma família de artistas e quais você considera suas principais influências.

Marcius: Eu nasci nos Estados Unidos, mas aos 6 meses eu fui com meus pais pra Bauru. Bauru é uma cidade que quase não tem opção de contato com instituição ou uma exposição de arte, mas meu pai pintava, tinha um ateliê no fundo de casa e minha mãe sempre gostou de arte, então sempre houve esse interesse e eu sempre gostei de muito de desenhar. Quando tive que resolver qual meu caminho e para onde ia seguir na produção, eu sempre imaginei que seria algo ligado à criação ou ao desenho, mas nunca imaginei que eu pudesse ser artista como profissão. Eu não imaginei que essa fosse uma opção, por exemplo, meu pai tinha a pintura como hobby. Quando eu prestei vestibular, prestei publicidade na Federal do Rio e como segunda opção, licenciatura em artes, então eu fui descobrindo que existia um caminho dentro da arte ou da licenciatura. Eu nunca que quis ser artista, eu fui descobrindo isso durante a faculdade. Depois me mudei para São Paulo e comecei a fazer FAAP, onde encontrei muitos professores que me orientaram e que me mostraram caminhos muito interessantes, então acho que foi muito desse convívio com a universidade, com os outros artistas que estavam começando a produzir.

Eu me formei em 97 pela FAAP e em 98 eu comecei a trabalhar com a Galeria Luísa Strina. Eu tinha acabado de fazer uma exposição e me pediram para conhecer mais sobre meu trabalho, assim fomos formando uma relação. 

Logo depois de formado eu fui fazer duas residências fora do Brasil, foi a primeira vez que eu saí do Brasil por residência artística.

Sarah e Patricia: Existe, em algum momento, a ideia de você se reconhecer como artista? Fiquei pensando na psicanálise, que a formação nunca acaba e as pessoas até falam: “Nossa, mas essa formação nunca acaba?” Isso acontece porque a gente vai se construindo analista, se tornando analista, e pra você, como foi esse processo?

Marcius: Acho que é meio parecida essa ideia, é uma pesquisa que não tem fim tanto em arte quanto em psicanálise (mesmo meu conhecimento em psicanálise sendo pequeno). Eu imagino que as coisas vão mudando, as pesquisas vão aparecendo e a literatura sempre vai aumentando, as coisas que você precisa conhecer ou o seu interesse, acho que cada pesquisa vai abrindo caminho para outras pesquisas e chegou um momento que eu comecei a perceber que já não dava pra ser hooby. Foi a partir daí que eu comecei a entender que seria um caminho possível e eu comecei a ficar mais satisfeito com o meu próprio trabalho, eu via um trabalho e pensava “nossa acho que tem uma coisa interessante mesmo aqui” e isso me levava a uma outra coisa. Então eu acho que não teve um momento único, um ponto que eu comecei a me ver como artista, mas a partir desse momento as coisas que foram aumentando.

Sarah: Outra curiosidade é em relação ao seu processo criativo, como e de onde você inicia, como surge essa ânsia por realizar algo ou por iniciar uma nova produção, como se dá essa construção?

Marcius: Cada obra tem uma história e tem momentos, hoje em dia me sinto mais pressionado a produzir porque, às vezes, existe uma exposição marcada e eu preciso ter algo pensado pra aquela determinada data. Antes era uma necessidade de transformar alguma ideia, mesmo sendo algo muito simples de uma situação que você tem na rua, ou a maneira que a pessoa deixou um tijolo para marcar o espaço da garagem. Meu trabalho partia muito dessa observação do espaço público, tinha muita relação com essa ideia da ocupação temporária dos espaços e eu pensava como isso poderia sair desse universo e expandir pra outras relações, como relação de lugares, o que você chama de seu lugar, como as pessoas delimitam seus espaços e circulam por dentro da arquitetura.

Então, isso tudo foi um processo muito longo até chegar ao entendimento de que tinha esse interesse pela organização dos espaços, acho que eu cheguei no entendimento do meu próprio trabalho depois de uns 5 – 10 anos que eu já fazia esse trabalho. Então meu processo criativo, às vezes, é pensar uma relação formal de duas coisas ou entre materiais, e essa relação vinha cheia de significados que eu não sabia muito bem explicar, mas eu sentia que essas relações tinham uma potência, que talvez eu ainda não conseguisse justificar aquilo, mas depois que se começa a construir um corpo de trabalho e eles vão se relacionando entre si e as pessoas conseguem entender a relação entre eles e o caminho que você quer trilhar. A partir do momento que você começa a entender como um trabalho se conecta com outro ou em uma exposição onde as obras se relacionam no mesmo espaço, é possível criar uma linha de raciocínio que fica mais inteligível.

Eu tenho alguns cadernos de desenhos aqui no estúdio que não têm datas nem linearidade temporal, eu fico vendo esses desenhos de tempos atrás e percebo que ali tem desenhos que eu fiz e não sabia muito bem porque, e eu começo a perceber uma relação com coisas que penso atualmente. Então eu faço essas conexões entre pensamentos que eu tinha deixado para trás e coisas que penso agora e assim eu consigo resolver questões que estavam perdidas. Então, sempre que acaba uma exposição eu corro para meus cadernos para começar a ver e pensar até onde eu cheguei com esse trabalho, como eles se relacionam, o que eu já tinha pensado e o que eu tô pensando agora, pra onde eu quero ir e começo a desenhar, ou escrever.

Patricia: Durante a elaboração e construção da sua obra você já mudou a direção do que você imaginou, inicialmente, pra aquela situação?

Marcius: O tempo todo.  Eu me vejo muito como um artista que projeta, eu sempre tenho o projeto do trabalho muito claro, mas quando eu começo a produzir o trabalho, fica muito claro e eu começo a entender muita coisa sobre a relação da matéria, dos elementos que eu uso, do espaço e da arquitetura e aí eu vou mudando o projeto. Eu parto do projeto, e de repente o serralheiro me fala que uma curva menos acentuada não vai produzir o efeito que eu quero na obra, então tem muita coisa dessa parte do conhecimento do material e a conversa com as pessoas que produzem o trabalho é essencial e muitas vezes ele vai sofrendo mudanças no decorrer da produção.

Sarah e Patricia: O que você diz é muito interessante porque esse é um ponto que vai ao encontro da psicanálise, você tem a técnica, os materiais que você já conhece, já fez uso, mas quando você se depara com o espaço pra produzir, você não sabe se vai funcionar. Isso se aproxima do nosso trabalho enquanto analistas, temos uma técnica, uma metodologia, todo um arcabouço de teoria, mas diante do encontro com o outro não sabemos como isso vai acontecer e se vai acontecer. É diferente de pintar um quadro no estúdio e chegar na galeria e pendurá-lo na parede, no seu caso isso é muito diferente, você chega com todo o material pra realizar a obra naquele espaço.

Marcius: É assim mesmo, essa relação é super boa.

A primeira vez que fiz o trabalho “Sessão Diagonal”, a obra dos vidros, que foi na Galeria Luisa Strina, eu fiz um teste no ateliê, tinha feito maquete, mas não funcionava e eu achava que no espaço funcionaria, eu fui montar a exposição e pensava que se caso não funcionasse eu teria que ter um ‘plano B’ porque eu propus um trabalho para uma sala que eu sabia se daria certo, mas eu tinha na minha mente que aquilo iria funcionar.  

Seção Diagonal , 2008 – Pintura sobre parede, cera no piso filtros de luz e madeira

Passamos tão despercebidos nos espaços que a gente tá acostumado, como na entrada do prédio, na catraca, por exemplo, que não percebemos o quando a arquitetura é hostil às vezes, ela te guia e te orienta, você não anda livremente pela cidade, o tempo todo de locomoção, dentro da arquitetura ou fora você tem uma tensão pra uma ordem que você precisa respeitar, você não está livre, então eu pensei que esse trabalho era uma quebra no compasso do movimento da pessoa dentro da arquitetura, dentro da galeria. A pessoa está andando e então ela terá um momento de dúvida de sua percepção. O importante desse trabalho é gerar dúvida e o segundo momento mais importante dele é a transgressão porque você desobedece a lógica da arquitetura e tenta atravessar o vidro. Você fica na dúvida se é ou não um vidro, mas pra você testar é preciso passar a mão e atravessá-lo. Você não precisa da consciência de que tudo isso acontece, é quase uma comunicação corporal, é quase antes da razão. Mas essa é uma construção do espectador, talvez isso não funcione com alguém que tenha passado parte de sua vida na selva.

Sarah: É uma quebra de paradigma, essa é intersecção com o nosso trabalho. Essa história de suscitar a dúvida, você diz ao espectador: “você acha que sabe, mas você não sabe”. Acho que o trabalho do psicanalista é essencialmente esse, conseguir gerar dúvida no outro, gerar curiosidade, alguma dúvida sobre ele mesmo, poder se perguntar: quem sou eu? Acho que sua obra traz isso, colocar quem interage com ela essa questão de não saber quem eu sou e até onde eu posso chegar.

Marcius: Acontece muito diferente para cada pessoa. Tem gente que vai e olha… passa… tem gente que pula pra dentro, tem gente que só toca a ponta do dedo, percebe e assusta. Então acho que todas essas relações tem muito a ver com o que vocês estão falando da psicanálise, de como esse auto exame, esse olhar para dentro, o quanto você se permite duvidar dos seus dogmas, da sua criação, da sua religião, de coisas que te guiam. Essa imersão é mais profunda ou menos profunda, então depende muito da entrega.

Sarah: Essa ideia que você traz de suscitar algo antes da razão… tem um autor que fala que na sala de análise, diante do paciente, há exigência de uma disciplina de um estado de abertura para sentir as emoções. Você diz isso sobre a sua obra, a intenção de suscitar algo no outro antes que ele tenha condição de pensar sobre aquilo. Depois ele vai ter possibilidade de perguntar: o que é isso? É vidro? Pôr a mão… Pensar como foi feito… O espectador não tem um tempo hábil, ele se depara antes de poder pensar, isso é muito interessante.

Marcius: É uma coisa que não acontece normalmente no meu trabalho, não é uma construção que eu consigo pensar antes, pensar que eu vou produzir um trabalho que vai conseguir lidar com isso antes da razão. É algo que aconteceu nesse trabalho, não foi uma coisa programada e tem trabalhos que precisam de um outro lado, um pouco mais de atenção, de entender as relações, algo que exige mais, não um conhecimento teórico, lógico que se você tiver um conhecimento teórico, talvez você tenha mais dobramentos do trabalho, mas que você precisa de uma atenção… e nesse trabalho é imediato, você não precisa se propor, analisar aquela obra, criticar… acho que tem trabalho que acaba passando batido, pelo ritmo das pessoas, se não é alguém que está com muito interesse em olhar para aquilo, acaba passando batido por muitos trabalhos e acho que esse dá uma chacoalhada, “nossa! estou percebendo uma coisa que eu acho que não é. A percepção é algo interessante.

Sarah e Patricia: Tem outro aspecto que seria legal você falar um pouco pra gente. A ideia de disfunção do objeto, da desconstrução do espaço e do objeto. Não sei se eu estou com olhar tendencioso, mas eu estou percebendo muitas intersecções. No nosso trabalho, muitas vezes o paciente chega muito pronto, então o trabalho exige uma desconstrução, para poder olhar por uma outra perspectiva. No começo da nossa conversa, quando você fala do seu processo criativo, você falou muito da observação, você vai andando pelos espaços e observa… isso é algo importante do nosso trabalho, falamos muito sobre a condição de observar, mas observar não apenas de um determinado ângulo, da gente poder considerar vários vértices numa mesma interação. Seria legal você falar sobre essa ideia de disfunção do objeto, de desconstrução.

Marcuis: Você estava falando eu fiquei pensando na questão da geometria. Acho que um dos pontos que foram importantes para eu criar um outro entendimento da geometria foi o questionamento da própria geometria. Porque ela e a matemática tem essa ideia de precisão, e quando você começa a desconstruir essa ideia, o que aparece em muito dos meus trabalhos com cartografia e com mapa. Meu interesse é desconstruir o que a gente entende por precisão, o que deixa essa estrutura exata, traz uma relação de respeito com a ideia de exatidão. O que eu gostaria de falar é o seguinte: eu ficava pensando muito nessas definições matemáticas, desde Euclides, por exemplo com definições de linhas paralelas, eu tenho um trabalho que chama “duas paralelas que não se encontram no infinito”. A definição de linha paralela… quando pensamos a superfície do papel, do plano do papel, estamos considerando que a gente tá no globo, que as coisas são curvas, que o papel não é um plano, ele é cheio de relevos, nada é preciso do jeito que a matemática propõem teoricamente. Penso muito em quando você tira a lógica da matemática, da teoria e passa para a prática, para o mundo real, ela entra em conflito. Essa ideia de precisão vai orientar a gente tanto para nossa relação com os espaços, com o mapa, com os sistemas de organização… organização da cidade, de fluxo de pessoas e o ponto de partida disso tudo é a geometria. Tem um trabalho que eu fiz na bienal de São Paulo que era tentar pegar um ponto do mapa, a escala de um mapa qualquer e submeter ao tamanho real. Porque quando um ponto está desenhado no mapa ele tem um tamanho, e se submetido ao ponto da escala do mapa você tem um ponto gigante. 

Ponto em escala real (MASP), 2017-2017 – Tecido cobrindo a área do vão livre do MASP

Eu queria fazer esse ponto na cidade, um ponto que obedecia a escala do mapa da cidade. Eu fiz no MASP também, esse mapa ficava dentro do MASP e o ponto ficava fora. Então eu acho que essas relações de desconstrução tem em vários trabalhos. “Seção diagonal” também tem essa relação de desconstruir nossa relação com a arquitetura.

Tem trabalhos que são mais ligados ao entendimento da organização dos espaços, às vezes do próprio objeto. Um dos primeiros trabalhos que eu fiz, é um trabalho que chama “Sino”, ele tinha uma relação de material, era um sino de vidro com um badalo de aço, ele tinha também esse entendimento imediato, de que aquilo tem uma função de produzir som, mas se a gente utilizasse a função dele, se destruiria.

Sino , 1999 – Registro fotográfico Douglas Garcia

Então você fica sempre nesse embate, dessa relação que está iminente, mas ela se ela acontecer, se destrói. Fica reverberando nessa relação de funcionalidade e traz também essa coisa perecível, de quão vulnerável é a vida, do tempo. O tempo inteiro tem isso no trabalho, de questionamento da funcionalidade, desconstrução dos objetos, da desconstrução da função, da organização, da função da arquitetura, da cartografia. 

Patricia: Eu vi essa obra, ela é muito angustiante, né Marcius?!

Marcius: Ela tem uma beleza também. A primeira vez que eu expus esse trabalho, eu punha ele numa altura da cabeça das pessoas. E não tinha nada que separasse ele (a obra) do espaço, pensei que não haveria sentido se você não tiver essa proximidade. Você tem que sentir que você pode ser a pessoa que vai quebrar aquilo, vai tocar, vai ouvir o som e destruir o trabalho. Essa relação com a presença é muito diferente de quando você vê em foto, quando está presente você fica pensando na relação dos materiais, entre o vidro e o aço, tem uma latência, desse som que precisa ser tocado, mas que se acontece se destrói. Mas tem uma angústia nele, com certeza. 

Sarah: Do ponto de vista político e social, como você enxerga a importância da arte?

Marcius: Eu acho que toda e qualquer proposição é política. Você colocar um pensamento para ser discutindo com as pessoas é uma proposição política sempre. Eu acho que a arte historicamente está ligada a grandes mudanças de comportamento, ela tá sempre estendendo a linha que define comportamento, a história das revoluções,  das conquistas das minorias, sempre a arte está ali por perto, com a música, o teatro, desde Shakespeare até o movimento hippie dos anos 60, tem sempre a música, a arte por perto tentando estender o limite do que é aceitável para a sociedade. Toda vez que eu penso em um trabalho, tenho que pensar nas consequências dele em relação às questões sociais e políticas, isso está sempre ligado, mesmo que o trabalho seja completamente abstrato. Propor um trabalho que faz com que a pessoa repense sua relação com o espaço, de alguma maneira tem um questionamento político, não é só trabalho sensorial, mesmo que fosse um trabalho só sensorial ele seria de alguma maneira político, ele está lidando com a experiência das pessoas.  Pra cada artista isso é diferente, tem artista que tem uma necessidade de comentar o que está acontecendo agora, nesse momento, tem artistas que não tem nenhuma preocupação com o momento político, mas que aquilo aparece no trabalho de alguma outra maneira. Mas acho que toda vez que você propor alguma coisa… agora estou pensando se estou tentando fazer uma relação com a psicanálise, quando você está trabalhando com essa pessoa, você tem uma relação que não é banal, é uma relação que vai modificar de alguma maneira a relação da pessoa com você, com o mundo, então é super sério essa relação. Quando eu proponho um trabalho, é um trabalho que me satisfaz como artista, mas ao mesmo tempo eu tenho que pensar em como isso vai aparecer para as pessoas, é lógico que não temos controle, mas é sempre uma questão como as pessoas vão receber esse trabalho. Como o trabalho vai funcionar na pessoa que está vendo.

Sarah: Algo que discutimos é sobre a criação de uma linguagem. Com cada pessoa, cada paciente, existe um exercício de criar uma linguagem comum, por mais que os dois falem português, não é suficiente. Precisa de uma linguagem que toque os dois lados, acho que você fala desse exercício também, talvez se você fizesse uma obra para você, pra você apreciar, seria diferente do que você produz, acho que é esse exercício, de como essa linguagem que você está criando ela vai chegar lá, acho que é essa tentativa de alcançar. Como alcançar uma linguagem de êxito. Muitos falam que analistas falam muito difícil, de forma muito complexa, mas penso que nosso esforço é o contrário, de ter uma linguagem simples que toque o outro, que reverbere de algum jeito, assim como a Patrícia falou, quando estamos diante daquele sino é angustiante, algo ele comunica, não passa despercebido.  

Marcius: Uma palavra que fiquei pensando foi responsabilidade, a responsabilidade de você colocar uma coisa no mundo, tanto o artista quanto o psicanalista. Quando você está lidando com uma pessoa você tem uma responsabilidade nessa relação, quando eu faço um trabalho eu penso nessa responsabilidade. Porque eu posso pensar em algo e isso ser entendido de outra forma, dependendo do contexto. Por exemplo: eu posso mostrar um trabalho que no Brasil vai ser entendido de um jeito e na Arábia Saudita de uma forma completamente diferente. Quando você pensa um trabalho pra um lugar específico você tem que pensar nessa responsabilidade, como ele vai chegar nas pessoas, se aquilo vai ser libertador, sensível… pode ser muitas coisas, às vezes você precisa ir para um lugar de limite, para questões que são meio tabu, pra tentar chegar em lugares que saiam do confortável, para criar questões mais importantes.

Sarah: Marcius, você gostaria de acrescentar algo que acha que não abordamos?

Marcius: Não… foi ótima a conversa.