por Miguel Marques, presidente da SBPRP

Quem, onde, quando, como e por quê?

Quem somos nós, nós, que ainda nos chamamos de “humanos”?

Em qual época nos encontramos – não em termos do calendário, mas sim em termos do ritmo, da escansão, do movimento do tempo? Onde residimos? Qual gênero de território, de solo, de lugar somos aptos a habitar e com quem estamos prestes a coabitar? Como e porque chegamos a essa situação? Quais caminhos seguimos e por quais motivos tomamos tais decisões?

Cada uma dessas questões propõe diferentes desdobramentos e abrem um espectro desde um tecido de mentiras até evidências que propiciem a investigação sobre fatos da vida real.

Vamos percebendo que os fatos com os quais nos defrontamos não se apresentam como reformas progressivas, mas sim mudanças catastróficas que alteram e subvertem configurações de realidades com as quais convivíamos há décadas e tomávamos como bases seguras para sustentarmos nossas empreitadas de vida.

Nesse mundo pandêmico vamos compreendendo e realizando que viver expressa-se significativamente como ocupar, invadir um espaço estrangeiro e negociar o que poderia ser um espaço compartilhado.

Os vírus, uma das dimensões da nossa noosfera nos afirmam que há vida apenas onde os corpos são veículos, arcas, planetas uns para os outros. Nesse mundo – nosso mundo – o espaço jamais poderá ser uma mera extensão; ele nunca se apresenta como algo dado.

Assim como não há uma existência simples, imediata, nunca há relação imediata com a realidade. Todo corpo é um corredor. Todo corpo é a porta de entrada para uma infinidade de outros mundos. Não há espaço, há somente viagem. Há somente vida.

As transformações que estamos vivendo adquirem tal intensidade e um grau de ruptura e turbulência que somente podem ser contidas no conceito de metamorfose. Somos simultaneamente lagarta e borboleta a cada instante de nossa trajetória.

Metamorfose é a condição que obriga um ser vivo a chocar o outro em si, sem jamais poder ser inteiramente ele mesmo e também sem poder confundir-se ou fundir-se inteiramente no outro.

Ter nascido significa isto: não ser puro, não ser si mesmo, ter em si alguma coisa que vem do outro, como nos aponta o conceito de hereditariedade, somos portadores temporários de um cerne milenar, o nosso DNA. Concordo com Bion quando nos diz que a mente deve ser buscada entre os fósseis e os espíritos, isto é, entre os nossos ancestrais e os que ainda vão nascer.

Cada eu, é um migrante. Nós domesticamos, dia após dia, o estranho até nos perdermos definitivamente no seu corpo.

No contexto institucional cada geração tem o papel de preparar o caminho para a próxima geração, cada geração é a ama de leite que ampara, acolhe e se desdobra como um casulo para os que vão sustentar e representar as próximas gerações da nossa querida SBPRP. Estamos trabalhando ativamente para acolher o que recebemos e gestarmos o que vai vir a ser.

Nossa gratidão aos que nos antecederam e nosso respeito e cuidados para os que estão nascendo! Que todos nós tenhamos uma boa cesura! Até 2021!