Berggasse 19 Revista de Psicanálise da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Ribeirão Preto

Projeto Editorial 1º semestre 2022

PARTOS E PARTIDAS

São só dois lados
Da mesma viagem
O trem que chega
É o mesmo trem
Da partida
A hora do encontro
É também, despedida
– Milton Nascimento, “­Encontros e despedidas”

  O sentido consensual de parto está ligado ao nascimento. A vida intrauterina cessa para uma nova experiência: separação do corpo mãe e filho. Há também a possibilidade de entender a palavra “parto”, como “eu parto”, expandindo para um novo percurso na perspectiva do bebê que inicia uma nova fase nesse caminho. A partir desse primeiro parto, quantos outros poderão vir a ser ao longo da existência humana?

    A sequência com a palavra partidas implica uma nova experiência. Se ampliarmos, ainda, para ressignificações, a matriz do nascimento, separando o bebê do corpo da mãe, se reinventa na trajetória humana quando se impõe a necessidade de construir uma identidade sem se perder na alteridade. Estar junto, imerso em ligações que sustentam continuidades e, ao mesmo tempo, com potencial de separação e discriminação suficiente para vislumbrar a existência do outro e a possibilidade do novo.

    Nos versos singelos que abrem este texto, do poeta nascido carioca, mas criado em Minas Gerais, o olhar psicanalítico (re)encontra a célebre frase freudiana “há muito mais continuidade entra a vida intrauterina e a primeira infância do que a impressionante cesura do ato do nascimento nos teria feito acreditar” (Freud, 1926/1996, p. 137). Essa citação nunca mais foi a mesma depois da leitura transformadora de Bion (1977/1981), que tornou a ideia de cesura um instrumento clínico fundamental para a psicanálise, ao nos propor “investigar a cesura; não o analista; não o analisando; não o inconsciente; não o consciente; não a sanidade; não a insanidade; mas a cesura, o vínculo, a sinapse, a (contra-trans)-ferência, o humor transitivo-intransitivo” (p. 136).

    O tema do volume XII, nº 1, da revista Berggasse 19, em 2022, propõe aos interessados expandir a polissemia das palavras, cabendo o primeiro sentido, literal, para outras partidas e releituras em múltiplos vértices – o enfoque no paradoxo considerado, tolerado, mas nunca resolvido da passagem que, ao unir, separa e, ao separar, torna-se ligação.

    A experiência dos últimos dois anos compartilhada por toda a espécie humana parece provocar uma estranha e aguda consciência de passagem, de termos deixado de ser o que éramos para um vir a ser ainda informe, estamos vivendo o “entre”, a ligação, pausa e continuidade de forma indissociável. Entre sustos e aprendizados, o convite presente sempre foi ao criativo, ao novo, mesmo que isso signifique perdas insuspeitas. Nascendo e morrendo, partindo para (re)encontrar, parindo algo de nós mesmos que ainda estamos por descobrir. Fomos lançados para uma nova condição de vida, com inúmeros desafios, estranhamentos, e convidados a uma retomada que, ao ser vivida, marca o encontro com um familiar e, ao mesmo tempo, o estranhamento de um novo informe.

    A escrita tem se constituído cada vez mais em um espaço de expansão de muitos nascedouros e morredouros com todos os estágios intermediários entre eles: de formações, definições, ampliações, contestações, aferições, aprofundamentos e transformações.

    Ao propor “Partos e partidas” como temática para este ano de 2022, queremos nos deparar com questões teórico-clínicas que foram despertadas nesse período de uma riqueza ainda não dimensionada.

    Muito se tem apontado para novos tempos. Com escritas diversas, a revista Berggasse 19, seguindo como uma casa brasileira para a psicanálise no interior do país, abre espaço para pontuar e registrar passagens significativas.

  Os autores interessados poderão enviar seus artigos até 04 de abril de 2022 para o e-mail berggasse@sbprp.com.br. Para acessar as normas para publicação clique aqui.

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Conselho Editorial Berggasse 19

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Berggasse 19
Revista da SBPRP 

Editora: 
Ana Cláudia Gonçalves Ribeiro de Almeida

Editores Associados:
Alessandra Paula Teobaldo Stocche
Josiane Barbosa Oliveira
Luciano Bonfante
Marystella Carvalho Esbrogeo
Marta Maria Daud
Mauro Campos Balieiro
Regina Cláudia Mingorance de Lima

Referências:
Bion, W. R. (1981). Cesura. Revista Brasileira de Psicanálise, 15, 123-136. (Trabalho original publicado em 1977)
Freud, S. (1996). Inibições, sintomas e ansiedade. In Edição standard das obras psicológicas completas de Sigmund Freud: Vol. 20. Um estudo autobiográfico, Inibições, sintomas e ansiedade, Análise leiga e outros trabalhos (1925-1926) (J. Salomão, Trad.; pp. 81-171). Imago. (Trabalho original publicado em 1926)