O Cinema e Psicanálise de Franca apresentou O quarto de Jack neste último sábado, dia 10, com considerações de Maria Bernadete Figueiró de Oliveira, psicóloga clínica, membro filiado do Instituto de Psicanálise da SBPSP e membro filiado convidado da SBPRP.
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Segue comentário de Maria Bernadete sobre o filme:
“Se as portas da percepção estivessem limpas, tudo apareceria para o homem tal como é: infinito” – William Blake (1757-1827)
O quarto de Jack, filme que comentei no Cinema e Psicanálise de Franca, toca-nos no fundo da alma! Uma mistura de sentimentos singelos e poéticos, com tristeza, angústias aterrorizantes e claustrofóbicas.
Tem como pano de fundo uma situação violenta, de aprisionamento de uma mulher em um cativeiro, que tem um filho com o sequestrador. Porém aquele cativeiro–quarto é paradoxalmente transformado em um espaço onírico pela relação amorosa que se constitui entre mãe e filho, sem deixar de caracterizar a violência do aprisionamento, da vivência no claustro, sem vida, onde o próprio “eu” é sequestrado e retirada a liberdade de existir.
Como pensarmos esse paradoxo, a entrada no claustro, a vivência de terror do aprisionamento e ao mesmo tempo o espaço para sonhar, imaginar e criar recursos para a busca de liberdade?
Como podemos compreender o desenvolvimento de uma criança que só conhece a realidade dentro de um espaço finito, fechado e fusionado à mãe?
O despertar na mãe de um estado de maternagem, de identificação com seu bebê, criando uma reciprocidade na vivência do belo que um é para o outro – tudo isso é fundamental para tolerar as experiências dolorosas que implicam o crescimento, a separação eu-outro e a expansão da vida no mundo de fora, além da mãe.
A continuidade da vida implica em cesuras, momentos que marcam uma mudança. Significa um ponto de decisão que leva a movimentos de nascimentos de novos pensamentos e crescimento. Essas cesuras também são vividas com angústias, porque estamos sempre nos deparando com um mundo desconhecido. Observamos isso ao longo da história, no quarto-claustro, na transição e na realidade pós claustro.
Após a entrada no mundo fora do quarto, no espaço aberto, (re)conquistada a liberdade, a realidade com a qual Jack se encontra gera confusões, medo e ao mesmo tempo um encantamento. O mundo já estava lá antes dele, mas ele não sabia! O olhar de Jack é sensível e poético. Mas, a mãe, que já tinha vivido nesse mundo, que tinha vínculos constituídos, ao retorná-lo após 7 anos de aprisionamento, vai viver um desmoronamento, necessário para resgatar sua existência.
A liberdade, segundo o filósofo Espinosa, é a necessidade interna da nossa maneira de existir, ser e agir. Uma livre necessidade de existir no mundo.
Esses contrastes entre o claustro e a liberdade, a vida e a morte, o grande e o pequeno, o fechado e o aberto são apresentados na narrativa com muita riqueza de recursos cinematográficos.
Outro olhar que transcende o foco explorado na narrativa, mas que está lá colocado, é a violência contra a mulher, pois, no caso, foi um sequestro com estupros, o que ainda é uma realidade. Desde os primórdios da existência humana, traduzida nos mitos gregos, existe uma relação paradoxal de amor e ódio diante do aspecto enigmático do feminino.
4 de janeiro de 2018 at 09:38
Gostei da sua crítica, eu tenho a mesma conclusão sobre o filme
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