por Mônica Bitar Santamarina Araújo, membro associado da SBPRP

Comentar essa série é falar sobre um tema tão polêmico e difícil: O Suicídio. Uma questão bem complexa, sendo um dos motivos de grande atenção da Organização Mundial da Saúde (OMS). Esse tema leva profissionais e leigos a se questionarem a cada relato: “O que levou essa pessoa a fazer isso?”.

Suicídio é uma palavra de origem latina, que significa o ato de matar a si mesmo. A pessoa que comete suicídio nos remete a seguinte questão: A vida merece ou não ser vivida? Devemos ou não lutar pela vida?

Analisando por esse ângulo teremos uma outra questão: a pessoa quando suicida está tendo um ato de coragem, ou de covardia?

É difícil entender o que leva alguém a cometer um ato dessa natureza, quando corriqueiramente lutamos pela vida. Como entender que alguém possa desistir de viver?

Todos esses pontos são questões que ouvimos nas conversas do dia a dia, quando nos deparamos com algum suicídio no nosso meio social.

“Pensando na morte” – Frida Kahlo (Fonte: Wikipedia)

Eu prefiro pensar pelo lado da DOR, da DOR MENTAL, do DESESPERO, da PROFUNDA SOLIDÃO que o indivíduo sente quando comete um ato desta natureza. Uma solidão interna tão grande, que conjecturo que ao buscar esse tipo de solução para resolver a dor, provavelmente sente que ninguém o entenderá. Acredito que quando alguém comete suicídio não encontra mais em sua vida um vínculo que faça sentido para mantê-la viva. Outro agravante é quando não há boa condição mental, que ajude a lidar com tamanha dor e tão pouco encontra uma relação com alguém em que pudesse confiar para buscar ajuda, a fim de digerir a dor e o desespero que vive.

A série “Thirteen Reasons Why”, produzida pela Netflix, é uma produção baseada no livro de Jay Asher, publicado no Brasil como “Os 13 Porquês”.  A produção nos fala sobre o suicídio na ótica do universo do adolescente, onde tudo é vivido de uma forma bastante intensa.

Como é um romance direcionado ao público adolescente, a temática principal é o universo do jovem, tanto no meio escolar, como nas relações entre os amigos, afetivas e sexuais. É tratado, também de uma maneira bastante realista a questão do bullying. Apesar de ser uma série direcionada para o público jovem, ela apresenta questões bastante complexas e indigestas, que precisam de uma boa capacidade de continência psíquica para serem digeridas.

Esse drama nos leva a refletir como em alguns casos temos dificuldade de nos percebermos mais profundamente, de reconhecermos os nossos sentimentos e, ainda mais, de conseguirmos comunicar isso para outras pessoas.

Hannah é uma jovem de 16 anos, que comete suicídio e deixa 13 fitas, para 13 pessoas, revelando os treze motivos que a levaram a cometer esse ato. Clay, seu melhor amigo, é uma das pessoas a receber as fitas e, assim, se torna um dos pontos centrais da história. Inconformado com o suicídio da amiga Hannah, Clay busca um culpado.

Hannah e Clay, personagens principais da série (Imagem: divulgação)

Hannah, a personagem central da série, é uma jovem alegre, simpática, bonita, que está inserida em um universo escolar, que tinha escondido na sua realidade elementos de agressividade, crueldade e perversões. Gradualmente ela é afetada por essa realidade e essas relações vividas pelos colegas da escola. O público assiste em cada episódio uma fita diferente, com as situações que a personagem se envolveu.

Assim, a série apresenta a realidade vivida por muitos jovens adolescentes: Desrespeito, humilhação, constrangimento, perda de amizade e de confiança. Essa temática trazida pela Netflix gera uma reflexão sobre a realidade e o universo do adolescente de uma maneira mais crítica e consciente.

Neste romance, Hannah não conseguiu encontrar alguém que a ajudasse a lidar com a sua dor. Ela não conseguiu se comunicar antes da morte. A comunicação mais eficaz foram as fitas, reveladas apenas após se matar.

Cada fita apresenta um drama vivido por Hannah. A princípio ela busca um amigo para conversar, busca um encontro. O desfecho é de um desencontro, uma frustração!

Não podemos negar que ela procurou ajuda. O orientador dos alunos não a ouviu, a atitude dele pode ser interpretada até como uma censura à fala de Hannah. Mas fica uma dúvida, será que ela não poderia ter gritado? Hannah não conseguiu, não teve forças, vontade, ou desejo de continuar. Ela nos mostra que desistiu de tudo e de todos.

A conversa que ela gostaria de ter tido com cada uma daquelas pessoas aconteceu somente por meio das fitas.

Bion, W. foi um psicanalista que abordou a temática dos vínculos. Para ele nós temos três tipos de vínculos nas nossas relações, que são: L(amor), H(ódio) e K(conhecimento), ou podemos ter -L, -H, -K. O sinal negativo(-) é quando existe o desinvestimento de qualquer um desses vínculos.

A série também tem a função de apresentar essa situação, que é a qualidade dos vínculos que aqueles jovens estavam vivendo entre eles.

Hannah se sentiu muito sozinha, não conseguiu encontrar nas amizades um vínculo de confiança e reconhecimento. O ápice da sua angústia surge quando ela se mata, neste momento ela provavelmente estava se relacionando em -L,-H e -K.

Tendo conhecimento sobre essas qualidades de vínculos, podemos avaliar as relações que vivemos, ou também observar as relações das pessoas que nos cercam, como filhos e companheiros.

Quando ainda conseguimos sentir ódio pelas pessoas que nos magoam e encontramos força para lutar e vontade de transformar (L+K), a vida ainda se faz presente. Por outro lado, quando sentimos desprezo pela vida, o ato de se matar ganha força. O suicida desiste da vida, de lutar pelo que quer, pela relações, e por ele mesmo.

A série nos mostra que Hannah em princípio tentou, e podemos observar pelas diversas fitas que ela vai perdendo forças e vai desistindo.

As pessoas se sentem agredidas por quem comete suicídio. Alguns personagens ao redor de Hannah viveram esse sentimento. Vários deles mergulharam em um sentimento de culpa. O romance aponta para a questão da reflexão, responsabilidade com suas ações, mas não devemos pensar só em culpa. A culpa por si só não transforma nada; mas se pensarmos e questionarmos o sentido das nossas ações e relações, isso pode promover mudanças.

Fica evidente também, um certo aspecto sádico de Hannah ao deixar as 13 fitas. Esta foi a maneira escolhida por ela para se vingar desses amigos, sem deixar que eles tivessem como reagir.

Hannah tinha, ao que nos parece na série, bons pais e um bom amigo (Clay), mas eles não foram suficientes para manter nela a vontade de viver. Isso causou nessas pessoas uma busca intensa de um entendimento, uma verdade, porém é uma resposta que cada uma dessas pessoas terá que encontrar nelas mesmas, já que Hannah não está mais presente para responder.

Levanto também a conjectura que Hannah, além de não perdoar aos outros, também não se perdoou, ou não perdoou suas “possíveis” falhas. Podemos pensar em como é difícil convivermos com nossas imperfeições e as imperfeições das pessoas e do mundo que vivemos. Isso tudo é muito dolorido e muito sofrido. Precisamos ter muita “continência psíquica” para processarmos tantas dores, perdas e desilusões, sejam elas com os outros, ou conosco.

Fica então a questão já apresentada: O que de fato levou Hannah ao suicídio? O que leva uma pessoa a desistir da vida?

Nós não temos essa resposta, mas temos condição de nos atentarmos à qualidade das relações que temos com as pessoas próximas.