Nesta quarta-feira, dia 27, será realizado o Semeando a Psicanálise em Franca, na Unifran. Os comentários serão de Denise Lopes Rosado Antônio, membro efetivo da SBPRP, sobre o tema “Diálogo entre Arte, Literatura e Psicanálise”.
EXPERIÊNCIAS EMOCIONAIS E AS DIFERENTES LINGUAGENS NO SETTING ANALÍTICO
UM DIÁLOGO ENTRE ARTE, LITERATURA E PSICANÁLISE
por Dra. Denise Lopes Rosado Antônio – Médica/Psicanalista – Membro Efetivo da SBPRP
“Através dos olhos da arte é que o pensador consegue
mergulhar o seu olhar no coração do Mundo”.
(Editores – Prefácio do Livro Origem da Tragédia de Nietzsche)
No Ateliê do artista

“Porta do Inferno” (La Porte de l’Enfer) é uma escultura de Auguste Rodin iniciada em 1880 e finalizada apenas em 1917. Ele escolheu como tema a “Divina Comédia” de Dante. Feita em Bronze, traz 180 figuras com dimensões que variam de 15 cm a mais de um metro. Diversas figuras foram reproduzidas em tamanho maior como esculturas independentes. Entre elas estão “O Pensador”, “O Beijo” e “As três Sombras”.
Visitando a exposição “Rodin, o Laboratório da Criação” no Museu Rodin em Paris, pude ver inúmeras peças em gesso que constituíram estudos minuciosos dos detalhes da famosa “Porta do Inferno”. Rodin levou 37 anos para concluí-la. Lendo que Goethe levou sessenta anos para escrever o seu livro “Fausto”, e constatando que muitas outras obras literárias ou artísticas seguiram essa mesma trajetória, deduzi que artistas ou escritores necessitam de um tempo para que a inspiração e a criatividade, suscitadas por experiências emocionais vividas, seguem numa longa caminhada (elaboração emocional inconsciente) até ganharem condições de significação e uma linguagem própria para comunicação.
Isso mostra que existe um trabalho árduo e dinâmico entre o inconsciente e o consciente, entre o que se experimenta numa dimensão infinita e o percurso até que se possa alcançar uma representação finita: a obra do artista, um novo pensamento, uma teoria científica, ou mesmo uma interpretação do psicanalista.
Ao observarmos o trabalho de artistas e escritores, ou mesmo o trabalho de psicanalistas, penso que o aparelho Continente/Contido conjecturado por Bion bem representa o processo da apreensão de experiências emocionais e a transformação das mesmas em pensamentos oníricos (sonhos), com o potencial da criação de algo novo. Trata-se do trabalho de transformação das experiências emocionais em uma linguagem adequada para a comunicação entre humanos.
Em uma sala de análise, tanto nossos analisandos como nós analistas estamos nos dispondo a sermos lançados em estados mentais imprevisíveis, à própria infância, aos mistérios da vida e às inúmeras dúvidas que nos envolvem ao nos relacionarmos. Não há dúvida de que experiências emocionais vão sendo vividas pela dupla e vão necessitando ganhar significações capazes de serem publicadas pelo par.
A arte e a literatura entram no cenário analítico como reservas inconscientes do analista e do analisando, e podem compor e subsidiar o processo de significação das experiências emocionais do par analítico.
Na prática, o que estaria em voga seria o desenvolvimento ou a disponibilidade em apreender a experiência emocional e depois dotá-la de uma forma verbal com a finalidade de torná-la o mais consciente possível (Sandler, 2011).
O analista, ao dispor da capacidade de rêverie (capacidade para sonhar ou mitificar as projeções do analisando), gerará pensamentos oníricos de vigília que o auxiliará tanto na compreensão dos sentimentos vividos (pensar a respeito deles) como para colocar as “dores para dormir” (torná-las inconscientes) (Ogden, 2010). Essas operações mentais (funções), ao serem exercidas pelo analista, terão como consequência (essa é a esperança do analista) o resgate e o desenvolvimento dessas funções nas mentes dos analisandos.
Os textos fílmicos, textos poéticos, textos musicais, textos literários, textos imagéticos (pinturas) que nós analistas e analisandos vamos tendo contato no decorrer de nossas vidas formam uma reserva que fica à disposição para nossa função inconsciente fazer uso como elementos oníricos que possibilitarão a construção de uma narrativa das experiências emocionais que surgem no setting analítico. Essas experiências emocionais, ao serem vividas pelo par, podem ganhar ressonância ao encontrar um subtexto na fantasia inconsciente que, possivelmente, construirá conexões com o problema externo. (Grotstein, 2003)
Assim, o nosso interesse por escritores, poetas, filmes, músicas, lendas, mitos, pinturas, são exercícios vitais para as significações de nossas vivências diárias. Encontramos em todas as formas de arte e literatura inúmeras metáforas que nos apresentam a nós mesmos e que formam subtextos inconscientes.
Bion em seu texto “Turbulência Emocional” nos chama a atenção para o uso que podemos fazer das instâncias da criação humana. Ele, que também tinha suas “musas” inspiradoras (Milton, Keats, Blake, Shakespeare e outros) diz “que nós podemos invocar imagens similares a partir da própria herança científica, artística ou religiosa, seja qual for mais evocativa para o período da turbulência emocional semelhante àquele com o qual a psicanálise lida. Mas, principalmente, que os analistas chamassem à mente períodos de desordem emocional que tenham evocado a maior turbulência em si mesmos”.
Gosto de pensar que Bion desejava que valorizássemos os modelos poéticos e científicos para alcançarmos alguma significação para o vivido pelo par; mas que valorizássemos a própria criatividade com um repertório que adquirimos com a própria análise, isto é, com o nosso autoconhecimento.
A comunicação entre analista e analisando na sala de análise é tecida por uma infinidade de composições entre as linguagens verbais, gestuais, sonoras, imagéticas, olfativas e intuitivas de ambos, o que torna o encontro analítico bastante complexo – e ainda mais complexa a tarefa de buscar significados para o vivido nessa relação.
Enfatizo que as comunicações verbais e não verbais dos nossos analisandos funcionam como “textos analíticos”, e que é importante que o analista tenha em mente que reagirá aos mesmos com uma produção de seu próprio inconsciente.
Portanto, não tem como não experimentarmos nossa subjetividade, individualidade e singularidade ao entrarmos em contato com os nossos analisandos.
Esse será o tema do “Semeando” em Franca, no dia 27 de Setembro, oportunidade para fazermos um dialogo entre arte, literatura e psicanálise. Mostrarei textos fílmicos, pinturas e esculturas, além de vinhetas clínicas que ilustrarão como tudo isso se passa no ateliê do Psicanalista.
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Referências
Bion, W. (1987) – Turbulência Emocional – Revista Brasileira de psicanálise, 21, n.1. (trabalho original publicado em 1977)
Ogden, T. H. (2010) – Esta arte da Psicanálise; sonhando sonhos não sonhados e gritos interrompidos – Porto Alegre – Artmed.
Grotstein (2003) – Quem é o Sonhador que sonha o sonho? – um estudo de presenças psíquicas. Rio de Janeiro: Imago Ed. 2003
Nietzsche, F.W – A Origem da tragédia – Editora Moraes LTDA. SP (texto original de 170-71).
Sandler, P.S. (2011) – Experiência emocional. Berggasse 19 – Revista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Ribeirão Preto. – Vol. II, n. 2 (novembro 2011) -. Ribeirão Preto – SP.
Dra. Denise Lopes Rosado Antônio
Psiquiatra – Psicanalista
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