A Diretoria Regional da SBPRP e a Comissão Organizadora da V Bienal de Psicanálise e Cultura promovem no dia 8 de fevereiro, sábado, às 14h, em Passos – MG, a exibição comentada do filme “Tempos de Paz”, que será comentado por Débora Agel Mellem, psicanalista e membro associado da SBPRP, e Ulisses Pinheiro Lampazzi, professor e poeta, mestre em História do Brasil.
Através desse apaixonante filme, dirigido por Daniel Filho e com um elenco de atores fantásticos, como Tony Ramos e Dan Stulbach, vamos abordar neste evento, alguns aspectos do tema desta V Bienal – “(im)permeáveis fronteiras”, refletindo sobre as interações entre os fenômenos individuais e coletivos, a busca por um senso de existência e a devastação psíquica e social, gerada pela violência humana.
O enredo ocorre no final da ditadura de Getúlio Vargas, no dia em que houve a anistia de presos políticos e apresenta o encontro de Segismundo, um ex-torturador, chefe da imigração da alfândega do Rio de Janeiro, com Clausewitz, um artista polonês que deseja imigrar para o Brasil. O diálogo que desenvolve-se entre esses homens tão diferentes e a emocionante aproximação dos dois, expressa o que há de terrível e também de belo, em nossa humanidade. No decorrer da trama, a relação de poder entre os personagens transforma-se, surgindo o sofrimento de ambos: um marcado pelas experiências sórdidas de seus atos de tortura na polícia política e o outro, quase devastado pela violência vivida na guerra, em busca de um lugar pacífico para ter uma nova vida.
Com um final surpreendente, o filme expressa o valor da arte como um instrumento de transformação pessoal, que faz brotar emoções e desperta a consciência de si e do mundo. A partir do cinema e deste filme “Tempos de Paz”, também podemos fazer reflexões e expandir a nossa consciência sobre a história política do Brasil em 1945 e hoje, as fronteiras psíquicas, a relação eu-outro, os fatores que favorecem o desenvolver da subjetividade humana e aqueles que a aprisionam, gerando alienação e violência.
Como inspiração para os diálogos que teremos neste encontro do Cinema e Psicanálise, trago a prosa poética de Ulisses Lampazzi:
É CHEGADA A HORA?
Sinto úmidos os pés do sangue rolado neste chão vermelho, nesta terra roxa. Os índios vendo seus filhos assassinados, junto ao sangue há lágrimas. Lágrima e sangue. Os pretos escravizados, a dor, a chibata, o coração mutilado de saudade. Lágrima, sangue, suor e saudade.
Vou no rasante do meu delírio tropical, os rostos tremulam feito sombras, sucessivamente e em tal rapidez que mal os reconheço, só a dor retorcendo essa pele bonita, essa beleza vertida pelos bueiros, pelos buracos negros. Vou cruzar a longa noite do meu país continental apenas banhado pela prata de lua e a esperança trêmula, amarela, uma vela carregada pela escuridão dos séculos. Fito o mistério dessa gente de Pixingas, Villas-Lobos, Gracilianos, Clarices. Eu não sei de nada! Manos Browns. De onde esse ódio, esse amor, esse fogo queimando todo o pau-Brasil e mais, queimando a íris dos meus olhos diluídos em suas maravilhas?
Ah Brasil! Sonhei um país de mesa gorda, sem pecado a não ser a fome e o silêncio. Sonhei que eu pudesse tacar suas cores nas paredes brancas desse Ocidente canibal e fratricida. Quis dar caju, mamão e um abraço irmão aos estrangeiros cansados de guerra, mas quando vi, a guerra era aqui. Militares pisoteando o ventre de mulheres grávidas. Mataram nossas sementes. Torturadores violentaram poemas e espíritos. País que desperdiça gente, reduzidos a animais se cruzando nas sombras. Olá, como vai? Eu vou indo, e você? Tudo bem?
Brasil, como o futuro demora a chegar! Aqui todos somos periferia! E aqui deste lado da margem, deste lado da ponte, do viaduto, deste lado do peito, deste lado da mágoa, eu declaro, Brasil, que o centro do mundo é aqui. Amazonas, Ceará, Espírito Santo, Rio grande do Sul, tudo aqui é o centro do mundo. O índio queimado fica no centro do mundo. As crianças sem merenda são o centro do mundo. O Corcovado, Ipanema, Carandiru, Pedrinhas, Capão Redondo, Vila Santa Cruz.
É chegada a hora? Falar com a nossa própria língua, dizer tudo com a nossa própria voz?
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