‘Humanidades Possíveis’
Paulo de Moraes M. Ribeiro
“Meu trabalho de parteira em geral é como o delas,
a única diferença é que o meu interesse não está no corpo
e sim na alma que sofre as dores do nascimento.
Entretanto, eu sou tão parecido com a parteira que não posso sozinho fazer nascer a sabedoria,
não posso sozinho trazer nada à luz porque não há sabedoria em mim.”
Sócrates (Platão, Diálogos. Negritos meus.)
Concordo com Bertold Brecht (1898-1956), dramaturgo e poeta alemão, autor de uma frase que recentemente viralizou na internet e que tem absoluta relevância nos tempos atuais: “Que tempos são esses, em que temos que defender o óbvio?”.
Alguns momentos da História da Humanidade voltam à cena nos tempos atuais: parece que estamos vivendo uma ‘Nova Idade Média’ em nosso planeta.Em linhas gerais, cultura popular considera a Idade Média um período dominado pela estupidez, obscurantismo, tirania, violência, declínio econômico, degeneração moral e confusão política. Esses elementos usados para descrever esse período histórico (que foi do século V ao século XV), embora caricatos e atualmente sendo reestudados e resinificados, ilustram parte do que a humanidade viveu a partir da queda do Império Romano do Ocidente, em 476 d.C. Os últimos séculos da Idade Média ficaram marcados por várias guerras, adversidades e catástrofes; a população foi dizimada por sucessivas carestias e pestes; a peste negra foi responsável pela morte de um terço da população europeia entre 1347 e 1350. Na cultura e nas artes, houve um grande retrocesso; grande parte das atividades artísticas, literárias e intelectuais da época estavam sob censura da Igreja Católica, no intuito de manter seu poder e de impedir que as pessoas pensassem diferentemente de seus dogmas. A preciosa criatividade humana evanesceu.

Instrumento de ‘justiça’ da Idade Média
(Autor Desconhecido, licenciado sob CC BY-NC-ND)
Estupidez, obscurantismo, tirania, violência, dogmatismo, declínio econômico, degeneração moral e confusão política: qualquer semelhança com elementos da atualidade não é mera coincidência! Pandemias, radicalismos políticos, pobreza, fome, rupturas nas relações, preconceitos etc., tudo isso, mesclado com um hiperdesenvolvimento das tecnologias e meios de comunicação, parecem caracterizar os tempos atuais: uma ‘Nova Idade Média’.
Os“humanistas”, pensadores do período moderno, durante o período de transição entre as Idades Média e Moderna, iniciaram um movimento de retomada dos valores greco-romanos, tendo como norte a valorização do Homem, o antropocentrismo, em oposição ao teocentrismo. Nesse período houve grande expansão das ciências em geral, da cultura e das artes. Nasceu, finalmente, a Psicanálise, em 1900, com Freud. A população global multiplicou-se diversas vezes. Certamente, muito conhecimento foi gerado e divulgado, todavia, podemos buscar refletir: quanto desses conhecimentos (dimensão de “K”) realmente sofreu evolução na direção de “sabedoria” (dimensão do “O”)?
Sabedoria é um outro patamar na evolução da espécie, um degrau para além do acúmulo de conhecimentos, pois implica aprender através de experiências compartilhadas de forma afetiva (experiências emocionais compartilhadas), muito mais do que através dos conhecimentos adquiridos com os estudos. É possível ser sábio e analfabeto, por exemplo; mas, para desenvolver sabedoria, a relação com o Outro é fundamental. E ao que parece, estamos perdendo a capacidade de ouvir e sentir o Outro com atenção, intenção e respeito, tão saturados de conhecimentos, verdades e certezas que estamos.
Muito rapidamente, tomamos como premissa que o Outro pensa como nós; em geral, se gostamos da pessoa, ela é igual a nós mesmos (equação simbólica: Outro = Eu); se não temos afinidades com a pessoa, desgostamos de algo nela, ela certamente é do time oposto: um rival! Voltamos ao funcionamento psíquico baseado no ‘gostar’: se é gostoso, vou nessa direção, dou um ‘like’; se não é gostoso, ‘cancelo’. Simples assim. Freud (1911), há mais de um século, apontou essa dinâmica como sendo a mais primitiva forma de funcionamento mental: o Princípio do Prazer-dor. ‘Voltamos’ ao predomínio dela, é a ‘Nova Idade Média’.
Mas o que fazer comisso?
Iniciativas como essa nova BIENAL DE PSICANÁLISE E CULTURA da SBPRP, cujo tema é “Humanidades Possíveis”, são louváveis, pois, ao convidar o Outro ao diálogo íntimo e profundo, podemos propagar Sabedorias que, eventualmente, irão voar pelo ar como sementes em busca de futuras germinações. Quem sabe assim, ao tocarem em ‘solos férteis’, corações humanos, essas sementes possam germinar de forma fecunda e florescerem e frutificarem em “humanidades possíveis”? Tomara!
Tenho sonhado com um ‘Novo Renascimento’ na Humanidade.O movimento estético que se iniciou em meados do século XIV, chamado de Renascimento, fez renascer o Homem como figura central da Criação. Até então, o Homem era periférico, apenas um dos inúmeros seres criados por Deus como manifestação de seu poder e, também, do seu narcisismo. A Renascença promoveu o abrandamento da influência dogmática da Igreja e dos misticismos religiosos, em direção a uma crescente valorização do humanismo. Foi um período de enorme florescência cultural na humanidade. Esquematicamente,poderíamos descrever o movimento desta forma:
Deus (da religião) à Humano (Homem)

A Criação de Adão, pintura de Michelangelo no teto da Capela Sistina, 1511.(interferência minha)
Em sendo possível essa renovada humanidade, recriada a partir do barro dessa ‘Nova Idade Média’, na qual estamos todos inseridos, quem sabe os ensinamentos de Sócrates, trazidos a nós por Platão, há quase 2.500 anos, possam ser verdadeira e profundamente escutados e o nosso lindo planetinha azul possa evoluir na direção de Sabedoria? Como diz o ditado popular, “uma andorinha sozinha não faz verão”, portanto, precisamos nos unir, como nesse encontro BIENAL, e nos sintonizarmos em nossas humanidades possíveis, assim, juntos, faremos Sabedoria:“não posso sozinho fazer nascer a sabedoria, não posso sozinho trazer nada à luz porque não há sabedoria em mim”, só na Relação Humana! Tenhamos esperança!
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